“Quando pensas não sentes que perturbas secretamente qualquer coisa; quando adormeces, não sentes que a deixas compor-se como pode?” diz socrates para Fedro in Eupalino ou o arquitecto de Paul Valery
O que é património? As definições de património são diversas, do latim patrimonium, herança do pai, e no Dicionário de Termos de Arte e Arquitectura surge como “conjunto de bens culturais que devem ser preservados sendo protegidos por legislação específica”.
O património tem subjacente uma ideia de herança deixada por gerações anteriores, que devemos transmitir e aumentar para as gerações seguintes. Esta herança deixada e a deixar admite a nossa mortalidade e desafia a nossa imortalidade. Implica desde logo uma escolha e essa escolha um saber científico, histórico e crítico.
Por outro lado, a escolha das permanências está indissociada de uma ideia de um bem comum que deve ser plasmada numa estratégia capaz da participação individual.
Desde meados do século XIX que diversas cartas, convenções e recomendações resultantes de reuniões internacionais resumem os principais objectivos, critérios e procedimentos para a preservação e defesa do património, políticas e medidas para a sua conservação e critérios que promovam e garantam a qualidade das intervenções.
Em Portugal como em outros países estes documentos têm balizado a acção sobre o património e o desenvolvimento de diferentes planos para sua protecção, em particular no respeitante ao edificado arquitectónico.
Estes planos são plasmados por plantas e regulamentos que supostamente balizam e definem as diferentes acções. A elaboração destes planos é da responsabilidade do Estado em diferentes escalas, da central à local e devem definir [LER_MAIS] estratégias e uma ideia dos bens públicos.
O poder público tem elaborado os planos para os centros históricos, definindo seus limites territoriais e regras de intervenção mas, salvo honrosas exepceções, só para os outros. Não definiu e desenvolveu estratégias para a construção de uma imagem de suas permanências.
Como arquitecta, todos os projectos que desenvolvi/desenvolvo estão dependentes da avaliação de diversas entidades.
Assisto há já 30 anos a uma total indiferença da Administração Pública pelo assumir das suas responsabilidades na construção de uma imagem do espaço público – fazem um passeio, mas depois ocupam-no com candeeiros, bocas de incêndio, cabines de telefone … e depois o peão não passa, não cabe.
Não define homogeneidade dos diferentes intervenientes dos quais é responsável – redes de energia, de água, de gás, de comunicações e muito menos a sua integração. É frequente uma obra ter sido escrutinada desde o volume aos materiais e no final vêem os diferentes contadores (são pelo menos sete especialidades) e justapõem ao construído/recuperado sem critério algum desvirtuando todo os trabalhos realizados.
Basta dar uma volta no centro histórico de Leiria e ver o que acontece com a iluminação, cabos a atravessar indiscriminadamente o espaço e as fachadas, os armários/contadores das diferentes especialidades, que além de mau desenho ocupam o parco espaço das ruas… Para quando um plano e uma estratégia da acção do poder público? E quem escrutina?
*Arquitecta