PUBLICIDADE
  • A minha conta
  • Loja
  • Arquivo
  • Iniciar sessão
Carrinho / 1,00 €
  • × Edição 1905Edição 1905 1 × 1,00 €

Subtotal: 1,00 €

Ver carrinhoFinalizar compras

Jornal de Leiria
PUBLICIDADE
ASSINATURA
  • Abertura
  • Entrevista
  • Sociedade
  • Saúde
  • Economia
  • Desporto
  • Viver
  • Opinião
  • Podcasts
  • Autárquicas 2025
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
  • Abertura
  • Entrevista
  • Sociedade
  • Saúde
  • Economia
  • Desporto
  • Viver
  • Opinião
  • Podcasts
  • Autárquicas 2025
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
Jornal de Leiria
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
Home Viver

Paulo Lameiro: “Não há profissionais da cultura na nossa cidade”

Cláudio Garcia por Cláudio Garcia
Março 7, 2024
em Viver
0
Paulo Lameiro: “Não há profissionais da cultura na nossa cidade”
0
PARTILHAS
0
VISUALIZAÇÕES
Share on FacebookShare on Twitter

[Versão mais extensa da entrevista publicada hoje na edição em papel do JORNAL DE LEIRIA de 7 de Março de 2024]

Em Março de 2022, Leiria ficou fora da corrida a Capital Europeia da Cultura 2027. Volvidos dois anos, a Rede Cultura (constituída por 26 municípios) está sem actividade, apesar do projecto para os próximos anos deixado por Paulo Lameiro, que coordenou o grupo executivo da candidatura e entretanto cessou funções.

Valeu a pena?
Não tenho dúvidas sobre a resposta a essa pergunta: valeu a pena. Se calhar, não naqueles aspectos em que a comunidade e os intervenientes directos esperariam. A questão é: será que uma candidatura a capital europeia ajuda à transformação do que é o papel da cultura numa comunidade, numa cidade? E não tenho dúvidas que ajudou, em várias dimensões.

Leia também: “Capital europeia. Dois anos após o fim da candidatura, o que fica da Rede Cultura?”

O que é que ficou?
Há muitas camadas. Vamos à primeira que talvez seja a mais importante. Quem faz cultura no nosso país, infelizmente, não é o Governo. Quem financia a cultura, maioritariamente, são as autarquias. São, de facto, as autarquias que investem. Portanto, se quisermos transformar o tecido cultural e intervir nele, temos de trabalhar com as autarquias, não há volta a dar. Vamos começar por aqui: o meu primeiro pedido ao presidente, que era o Raul Castro, foi “não é possível uma cidade candidatar-se a capital europeia sem ter um chefe de divisão da cultura”. Agora temos dois. Há uma transferência de poderes de decisão para pessoas com mais sensibilidade e com mais formação para a área. E, portanto, não é somenos passar a ter dois chefes de divisão da área da cultura, o que tem implicação prática diária. Há um outro olhar, porque a autarquia percebeu que a cultura precisa de ter especialistas, não pode ser gerida por quem não tem formação nesta área e há um conceito muito importante que é o da direcção artística, é o pensamento.

Os processos de decisão mudaram na área da cultura?
Mudaram.

E o município está hoje mais aberto à existência de curadorias ou direcções artísticas?
Exactamente. Houve contratação de directores artísticos, algumas sem sucesso, mas a verdade é que se percebeu [que] tem de haver direcções artísticas. Há uma mudança de paradigma, da gestão, do poder de decisão. Há também outras mudanças que são importantes: nós não tínhamos um plano estratégico para a cultura. Dir-me-ão “e o que é que vale o documento?” Vale alguma coisa. O que é que vale muito? O que foi necessário fazer para escrever aquele documento, porque nunca tantos actores culturais da cidade se tinham sentado a discutir, a defender pontos de vista, arbitrados não pelo cacique local, mas por pensamento externo. E isto é central. Termos tido a possibilidade de as pessoas argumentarem que o caminho deve ser este ou deve ser aquele mas “eu não estou refém de pingar mais um subsídio, ou não, por aquilo que eu vou dizer”.

Acontece essa dependência do poder autárquico?
Acontece e vai acontecer sempre. O que é que a mim mais me surpreendeu, apesar de tudo, conhecendo e sendo da cidade? Não temos um tecido profissional da cultura, não há indústrias culturais, não há profissionais da cultura na nossa cidade.

Há poucos, mas há alguns.
Há muito poucos. Mas mesmo os poucos que há, ou estão ligados ao ensino, e são escolas, isso é uma coisa, que é diferente de uma indústria cultural sólida ou acima de tudo de projectos culturais que não estejam dependentes de apoios ou de subsídios, porque o profissionalismo na cultura é isso. Digam-me em Leiria quantos projectos culturais existem, quantos profissionais existem que não estão dependentes de apoios de subsídios ou de candidaturas. E esta é que é a questão de toque. Também aí foi muito importante [a candidatura] porque pela primeira vez o município de Leiria investiu muito dinheiro, estamos a falar de pelo menos 200 mil euros, em calls, em projectos que não foi o vereador nem o presidente a dizer o que é que era melhor.

Foi um júri.
Júri externo, que veio de fora. Com certeza que estavam profissionais do município, mas a decisão não foi tomada pelo município. E isso revelou algumas fragilidades e trouxe consciência a todos os agentes que pela primeira vez tiveram que se sentar e justificar o porquê das suas opções. E percebemos que, se calhar, alguns pressupostos que sempre haviam existido foram colocados em causa.

Estamos a falar de oito projetos.
Sim, foram oito apoiados.

Desde 2015, desde que o presidente Raul Castro anunciou a intenção de candidatura. É muito, é pouco, é suficiente? E o que é que diz a quem acha que os resultados deviam ser mais concretos?
Até chegar à fase de candidaturas e da call municipal, houve um grupo de missão, dois anos de preparação, dois anos de estratégia. A fase de candidatura foram quatro anos e estamos a falar de três anos efectivamente da acção. E estes oito projectos são pouco, é claro que são pouco, mas o que importa é que a expertise que foi necessária aplicar para realizar estes oito transbordou ainda hoje para o que continua a acontecer em todos os outros projetos. Por exemplo, o Pro Leiria, mistura no mesmo pacote tudo o que acontece.

E não é decidido por um júri.
Eu sei.

Mas devia ser?
Devia ser. Mas, ainda assim, os critérios ou o modus faciendi para aplicar estes projetos do Pro Leiria, estamos a falar de 200 ou 300 projectos, já bebem na sua grelha de classificação, já bebem, na análise de avaliação, daquilo que o corpo técnico do município bebeu de ter estado com júris externos a avaliar. Ou seja, capacitar os actores políticos, é do meu ponto de vista, também, uma mais-valia. Houve capacitação não só do presidente e dos vereadores, mas dos técnicos, de quem está todos os dias a decidir. Mas há mais. Nós não tínhamos uma Cidade Criativa da Música sem a candidatura. Como está a fazer agora o Daniel [Bernardes, director artístico da Leiria Cidade Criativa da Música], com pontes e com redes a nível nacional e internacional, isto é uma mais-valia tremenda. Mais, ainda. Nunca se tinha falado em internacionalização dos actores locais. Se fizer um olhar sobre quantos actores culturais locais pré e pós candidatura estão a fazer as primeiras experiências a nível internacional vai perceber que alguma coisa sobrou da candidatura. Também a internacionalização da cultura é importante. É residual ainda.

Mas há um caminho dos agentes da cultura em Leiria que é anterior ao processo de candidatura de Leiria a capital europeia da cultura.
Sem dúvida, mas não deixa de ser significativo que haja agora um outro discurso sobre a internacionalização, um outro pensamento sobre. E mais, quantos projectos de Leiria eram apoiados na DGArtes, e veja agora, ou seja, há efectivamente resultados que vêm de uma aprendizagem que é de contacto, o simples contacto com outros parceiros culturais, portanto, não tenho dúvidas que sobraram energias e sobraram acções e sobraram resultados que estão aí e que estão efectivamente a transformar o quotidiano da cultura em Leiria.

Acredito que se lhe perguntar se a Rede Cultura deve continuar a existir me dirá que sim.
A minha resposta é, sim, a Rede Cultura deve continuar a existir. Primeiro, por uma razão macro e estratégica. Num país e numa Europa que investe na cultura o que investe, com o crescendo de militarização dos países, com os problemas crescentes de saúde, de justiça e educação, em que os orçamentos gerais do Estado vão ainda mais cercear a cultura só uma acção em rede permite rentabilizar energias, financiamentos, pessoas e know how.

Como, com quem e com que objectivos?
Há duas questões centrais para o como. A primeira tem a ver com a escala. A Rede Cultura deve continuar com este 26 [municípios]?

Boa pergunta.
Essa foi uma pergunta que se colocou desde o início. Quem definiu a estratégia para a Rede Cultura, como sabem, não fui eu, eu sou um director executivo que implementava o que pensava um conselho, que eu também integrava. Conselho Estratégico, presidido pelo João Bonifácio Serra, e ele, de início, quando lança a ideia de rede, foi motivo de muita discussão e reflexão. Mas o professor João Serra pensava, e eu continuo a acreditar no que ele pensava, que financeiramente é melhor termos um projecto em rede [e] também politicamente é melhor haver uma aliança e um transvase de poderes políticos numa região.

Com que grau de autonomia em relação aos municípios?
Tem de ser via CIM’s [comunidades intermunicipais] porque a CIM é um órgão que já está a oleado em juntar interesses, em candidatar-se a fundos europeus e portugueses e, portanto, é mais fácil haver um financiamento e uma autonomia de gestão num programa via CIM’s do que individualmente. Portanto, o poder desta rede tem que advir das CIM’s e de uma aliança de CIM’s. Se me perguntam, são as três CIM’s [Região de Leiria, Oeste e Médio Tejo] que tínhamos agora? Não sei. Mas quem acompanhou a Rede percebeu que havia municípios muito afastados de nós que se mobilizaram muitíssimo mais para a candidatura do que os municípios que estão aqui à nossa volta. E, portanto, a distância é significativa, é, mas eu não tenho dúvidas que uma aliança entre os municípios que queiram, que sintam necessidade de estar juntos a pensar a cultura é preferível a um investimento exclusivo num concelho.

Depois, no dia a dia, quem é que gere a Rede Cultura?
É possível haver um órgão mandatado pelas CIM’s que tem um budget, tem um orçamento e tem uma área de ação, tem um regulamento, tem com certeza uma jurisdição que é territorial. Até aqui havia uma intenção política, uma necessidade, agora não, agora estamos livres, não há uma candidatura, ou seja, agora queremos actuar com o objectivo do desenvolvimento da cultura e não de fazer uma candidatura. Isso liberta-nos e traz uma grande mais-valia a uma possível rede, que junte o que de melhor existe, quem melhor pode ajudar a reflectir, a planear e a implementar. Se quisermos fazer alguma coisa de qualidade e que respeite uma política pública.

E deixou esse projecto antes de cessar funções.
Cessei funções deixando um plano de trabalho para uma rede, deixei um plano de actividades até 2027. Foi o meu último papel. Com um orçamento negociado.

De quanto?
Três milhões de euros.

Com a intenção de ser candidatado a fundos comunitários através da CIM Leiria?
Exactamente. Portanto, havia um programa que foi estudado e que recebia os objectivos desta candidatura. O dinheiro não é problema. Os interesses individuais, as agendas individuais, são efectivamente um problema.

Em que ponto está esse projecto?
Desconheço em absoluto. O que posso dizer-lhe é que na minha última reunião com o então director da CIM, e com a senhora vereadora da Cultura e o senhor presidente da Câmara de Leiria, eu deixei o documento.

A Rede Cultura, formalmente, existe?
Deixou de existir, não tem órgãos. A Rede Cultura não existe.

Por responsabilidade dos agentes políticos?
Sim, ou seja, não existe por decisão política, com certeza.

E devem ser responsabilizados?
Eu acho que o Conselho Geral da Rede Cultura tem esta responsabilidade. Estes 26 presidentes, que formam um órgão, têm de ser responsabilizados porque, na verdade, houve um investimento, houve uma capacitação, houve uma timeline definida, criaram-se expectativas, houve resultados.

Que não estão a ser aproveitados?
Exatamente, não estão a ser aproveitados. É uma pena que não estejamos a potenciar e a disseminar as boas práticas que foram adquiridas com a Rede.

E era isso que esperava?
O não ter conseguido sucesso na candidatura, a mim nunca me surpreendeu nada. Lisboa é capital europeia da cultura, a seguir é o Porto, a seguir é Guimarães, quer dizer, nós sabíamos que a próxima capital ou ia para o Sul ou para as ilhas, não há volta a dar. As outras candidaturas tinham um suporte político e de lóbi maior do que Leiria. Aveiro, por exemplo. Oeiras teve lóbi europeu, Oeiras investiu 10 vezes mais.

No final, quanto é que investiu Leiria?
Sempre tive apoio total, desde o presidente Raul Castro até depois ao Gonçalo Lopes, não posso dizer que não tenham dado o dinheiro que eu achava que merecia a candidatura. Na verdade, na candidatura, não gastámos muito mais de 700 mil euros,

O facto de a Rede não estar em funcionamento significa que não há uma convergência de interesses?
A designação para o projeto da Rede Cultura, que também não foi consensual, foi vencedora exactamente por este argumento: “não estamos a pensar numa candidatura, somente, estamos a pensar na constituição de uma rede”. E isto deve-se em grande parte a João Bonifácio Serra, um homem politicamente experiente [e] politicamente experiente nas candidaturas e que sabia que uma rede era um potencial de desenvolvimento da cultura, da economia, mas também do tecido político. O professor João Serra percebeu “nós podemos através deste projecto ser um território que se alavanca na cultura”. Agora, não escondo, não sou ingénuo, sei que a maior parte dos presidentes, e Leiria, vai para a Rede por causa da candidatura, para ter um título. O que motivou, o que estimulou, o que acendeu o rastilho e envolveu a maioria destes actores políticos foi o facto de poder ir a jogo com a possibilidade de ganhar.

Está a dizer que ninguém está interessado na continuidade da Rede Cultura?
Não, eu diria perdeu-se motivação. A maioria deixou de ter motivação. Quem é que está? Se eu marcar agora uma reunião, amanhã tenho um terço dos presidentes aqui, seguramente. São quais? Aqueles que sentiram que os seus chefes de divisão, os directores dos museus, os directores artísticos dos teatros, os programadores, os directores das bibliotecas, pela primeira vez o município teve uma outra forma de estar a fazer cultura. Houve encontros que nunca tinham acontecido. Há muitos projectos que continuam, de parcerias que se criaram. Agora, politicamente, os principais protagonistas, especialmente os presidentes, a maioria desmotivou-se, porque, na verdade, desde o início eram as suas equipas técnicas que percebiam o quão importante tinha sido candidatura. Portanto, há municípios e presidentes que, não tendo inicialmente consciência da mais-valia de uma rede, ganharam-na com este tempo de intervenção e hoje continuam a actuar. Também muito importante, a rede juntou PCP, independentes, PSD’s e PS’s, pela primeira vez.

Essa desmotivação é a explicação que encontra para a situação em que está actualmente a Rede Cultura?
Há duas razões. A primeira, não tenho dúvidas que é essa. Perdeu-se a cenoura. Mas há uma segunda que é mais significativa: a cultura não é prioridade nem importante para a nossa classe política, nem para a classe económica.

Não é isso que ouvimos em Leiria.
Leiria, também a esse nível, a cultura ganhou espaço, ganhou poder, e uma das implicações desta candidatura foi reforçar, potenciar o papel da cultura para o desenvolvimento. Nunca se falou tanto na boca dos políticos dos actores culturais, nunca se usou tanto e de forma tão diversificada o papel dos actores culturais. Agora já não estou a falar sequer, do caso do nosso município, estou a falar na generalidade dos municípios do país: a cultura não é uma prioridade. Nenhum político se vai fascinar por experimentalismo artístico, por minorias ou por artes ou por uma cultura que é efectivamente experimental, não tem interesse por isso.

É mais facilmente fascinado pelo grande entretenimento, pela escala?
É óbvio. E ao contrário do que possa parecer, não é intencional, é de formação. Se eu não tenho consciência que um estádio na Feira de Maio, com 40 ou 50 mil pessoas, não transforma tanto estas pessoas como um recital de poesia ou de música de câmara com 20 pessoas numa sala pequena… é muito difícil para quem não tem consciência que um projecto cultural experimental de câmara transforma mais, tem um potencial de mudança. Também económica. Porque quem ganha com este grande espectáculo de 50 mil pessoas não são nem quem vai lá nem os artistas de Leiria. Não há aqui uma intenção, ou seja, as pessoas não preferem a indústria cultural ou o entretenimento à cultura porque acham que é melhor, eles não têm é consciência do que é a cultura.

No final destes vários anos de processo relacionado com a Rede Cultura, devíamos ter uma programação cultural em Leiria menos focada no entretenimento e mais focada no poder transformador da cultura?
Atrevo-me a dizer que houve um passo pequenino. Se olharmos a nossa agenda cultural, pós-candidatura e pré-candidatura, vai fazer o favor de perceber que alguma coisa mudou. Há mais micro, há mais democracia, houve mais distribuição na decisão. Se me perguntam, foi suficiente? Foi pouco, mas foi. Eu acredito nestas pequenas mudanças. O próprio município aprendeu e cresceu. Agora, não é só o município que é responsável pela cultura local. O meu maior problema não foi com os vereadores nem com os presidentes, foi com os actores culturais. Estes são mais pequenos do que os actores políticos, pela falta de profissionalismo, pela falta de apoio que leva a uma competição fratricida entre os agentes culturais, pelo receio de perda dos canais que tinham de financiamento. Devo dizer que senti mais dificuldade na articulação com os actores culturais do que com os actores políticos, ou seja, os actores políticos são transparentes, são claros, e eu percebo o que querem. Os actores culturais são mais complexos.

Encontrou resistências?
Muitas.

Desinteresse?
Mais do que desinteresse. Desinteresse houve, o que já esperaria, mas houve, na verdade, movimentações anti-candidatura, que também esperaria. Muitas delas, na verdade, foram a reboque de serem anti-município, porque havia histórias pessoais, havia um contexto em que havia quase necessidade de contestar o poder instituído e, portanto, aproveita-se a candidatura, como muitos outros objectos, para combater o poder instituído. Até nesse combate não houve argumentação sólida. Houve um desmascarar da fragilidade do nosso tecido cultural de Leiria.

Sentiu-se boicotado?
Nalguns momentos, pessoalmente, também. Paguei o preço. Eu sou um actor local de Leiria, como actor local de Leiria sofri aquilo que são os medos e os receios de “ele agora vai receber toda a atenção”. Nalguns casos houve ataques pessoais puros e duros. Rasteiros.

Ficou surpreendido?
Não, eu já sabia que ia sofrer isso. Os políticos é que têm a chave, o queijo, a faca na mão. São eles que decidem. Só com os actores políticos, locais e nacionais, pode haver transformação. Não senti maior obstáculos, maiores ruídos, maiores barreiras nos actores políticos do que senti nos actores culturais. Pelo contrário.

Não era responsabilidade da Rede Cultura conseguir envolver os agentes da cultura?
Há uma opinião unânime entre todos os meus pares: a candidatura que mais envolveu agentes culturais foi a de Leiria. Fiz milhares de quilómetros, tenho milhares de horas gravadas com actores culturais. O nosso bid book espelha muito mais o que foi ouvido desses actores culturais do que a minha opinião pessoal. Cometemos erros. Muitos. Mas, na verdade, entre muitos erros, o maior foi este: o lema da nossa candidatura. “Curate the commons”, “Curar o comum”, é muito complexo. Eu não fiz o esforço suficiente para demover a equipa para termos um lema mais fácil de entender pela comunidade. Para o júri, quer dizer, se eu tenho um lema como “Devagar”, aquele que ganhou com Évora, é mais fácil. A complexidade do nosso lema advém destas centenas de reuniões a tentar cerzir o que ouvimos dos nossos actores culturais. Mesmo sendo 26 municípios, garanto que ouvimos mais actores culturais do que qualquer das outras candidaturas.

O que teria feito de maneira diferente?
Este para mim foi claramente o erro. Muito importante: tivéssemos um outro lema, outro envolvimento, muito mais dinheiro, o resultado não era afectado por isso. Que fique claro. Nós já sabíamos que não era Leiria, nem Aveiro, nem Braga. Quem efectivamente ganharia estava sempre no Sul ou nas ilhas. E já se sabia que era Ponta Delgada, Faro ou Évora. Mas eu diria que a primeira questão que se podia questionar é da Rede, OK, admito.

A dimensão.
Podíamos ter pensado só na cidade. E esta foi uma decisão estratégica, ou seja, se calhar tínhamos tido um maior envolvimento. A Lourinhã teve mais envolvimento, ou o Cadaval, em reuniões de reflexão a sério, do que a Batalha ou Pombal. Da minha reflexão ouvindo todos, hoje, não considero que tenha sido um erro essa opção pela Rede, porque eu sou favorável às redes. Não tenho a certeza se a opção por rede mesmo para o objectivo capacitação tenha sido um erro. Continuo convencido que não foi. Talvez o facto de haver alguma intelectualização, da academia, da candidatura, possa não ter ajudado uma percepção da comunidade mais fácil. Se calhar, em vez de ter feito um congresso de reflexão, se tivesse feito um concerto no estádio com a malta toda, tinha sido mais fácil. Estou a ser honesto. Se calhar, um congresso onde se vai refletir, não mobiliza os actores culturais locais porque acham que não precisam disso. Admito que, se calhar, o Congresso deveria ter acções mais próximas do nosso tecido cultural, menos reflectidas, mas continuo a achar que é importante pensar a cultura e reflectir sobre ela. Se calhar, por exemplo, nós fizemos um plano estratégico e o nosso conselho municipal da cultura tem quase 100 pessoas porque politicamente todos querem estar lá e o município não quer correr o risco de deixar alguém de fora. É um erro. É ineficaz. É uma das razões pelas quais é mais difícil implementar o plano estratégico. Nós devemos ter tudo, mas tem de haver a coragem de tomar opções. Se calhar, não devemos ter todos acesso ao mesmo investimento, porque a forma como aplicamos esse investimento produz resultados diferentes. Avaliação. Não fazemos avaliação. Temos medo. Porque é que o Pro Leiria age como age? Porque não há avaliação. Se eu tenho 10 bandas filarmónicas, têm de receber as 10 o mesmo. Tem de haver coragem de se perceber que assim não crescemos, assim a bitola nivela-se por baixo. De resto, eu continuaria a fazer candidatura, eu continuaria a optar pela Rede. Se calhar mais cirurgicamente. Há protagonistas e muitos deles actuaram como actuaram porque não sabiam o que estava em causa. A cultura é deficitária no país, nos orçamentos, mas também na comunicação social. Carecem, os órgãos de comunicação social, de especialistas. Um órgão de comunicação social não pode fazer só campanha política. Não pode fazer só combate político. Para intervir num processo como este, tem de ter também jornalistas de cultura que possam efectivamente olhar para a cultura com olhos fundamentados. E falta de facto, também na nossa comunicação social, esse lado. Mas as pessoas também não lêem muito. E, portanto, a maior parte das pessoas de Leiria não conheceram a candidatura.

Mas, mais uma vez, isso não é responsabilidade da candidatura?
Em certa medida, sim. Mas a candidatura não é feita só pelos órgãos da candidatura, isto é um puzzle, todos importamos. Os decisores políticos, o Conselho Geral, o Conselho Estratégico, o Grupo Executivo, os actores culturais, a comunicação social, a economia. E todos temos de dar o nosso contributo. Mas não é só isso, é que hoje as pessoas não lêem, não se interessam por cultura. Houve muitas acções da Rede Cultura que não chamaram a atenção de muitos actores culturais, não porque eles não soubessem da acção, mas porque pura e simplesmente tinha uma pré-ideia da candidatura. Isto é um disparate, é uma leviandade. E a maior parte das pessoas era esta a ideia com que ia para as reuniões. Dissesse eu o que dissesse, a pessoa não ouvia, poeque tinha na sua cabeça o que queria dizer. Volto a dizer, o grande óbice: as pessoas fazem outras coisas, não se dedicam à cultura.

Não são profissionais da cultura.
Não são, têm outras vidas, têm outras preocupações. E a ideia que têm de cultura é de consumir alguma coisa. Muito pouco, consome-me muito pouco. O principal indicador da Europa para um nível cultural de um país é quantos livros é que o cidadão lê por ano. Vocês sabem quantos livros é que se lêem em Portugal.

Nem um.
Nem um [61% dos portugueses não leram um só livro em 2021, segundo um inquérito conduzido pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa]. Ou seja, o que adianta ter reuniões com actores culturais que não são profissionais da cultura, que têm outras profissões, legítimas, e muitos deles fazem um trabalho extraordinário, mesmo do ponto de vista artístico, mas não têm ferramentas para interpretar verdadeiramente do que é que estamos a falar. Se vêm de facto de pé atrás perante a ideia. Não há ninguém que tenha participado num projeto da Rede Cultura, participado de facto, que não tivesse ficado apaixonado pela Rede. E, na verdade, sem um trabalho prévio de consciencialização de todos nós e sem um número maior de profissionais, não teríamos tido resultados muito diferentes.

Etiquetas: capital europeiaLeiriaPaulo Lameirorede cultura
Previous Post

ASAE apreende mais de 112.500 ovos em Ansião e Leiria

Próxima publicação

E agora… sem Rede 

Próxima publicação

E agora... sem Rede 

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

  • Empresa
  • Ficha Técnica
  • Contactos
  • Espaço do Leitor
  • Cartas ao director
  • Sugestões
  • Loja
  • Política de Privacidade
  • Termos & Condições
  • Livro de Reclamações

© 2025 Jornal de Leiria - by WORKMIND.

Bem-vindo de volta!

Aceder à sua conta abaixo

Esqueceu-se da palavra-passe?

Recuperar a sua palavra-passe

Introduza o seu nome de utilizador ou endereço de e-mail para redefinir a sua palavra-passe.

Iniciar sessão
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
  • Opinião
  • Sociedade
  • Viver
  • Economia
  • Desporto
  • Autárquicas 2025
  • Saúde
  • Abertura
  • Entrevista

© 2025 Jornal de Leiria - by WORKMIND.