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Paulo Pereira da Silva: “Colocar uma pessoa incompetente só porque é da família é o mesmo do que matar a empresa”

Lurdes Trindade por Lurdes Trindade
Dezembro 6, 2019
em Entrevista
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Paulo Pereira da Silva: “Colocar uma pessoa incompetente só porque é da família é o mesmo do que matar a empresa”
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O seu nome está, indiscutivelmente, ligado à “revolução” que permitiu que pessoas de todo o mundo passassem a ter uma relação afectiva com um produto que no passado era tabu. Como conseguiu transformar o papel higiénico num ícone de moda?

De facto o papel higiénico era um produto tabu, em relação ao qual as pessoas não falavam. Até do ponto de vista sociológico, havia uma ideia diferente em relação aos espaços, eram considerandos não-espaços. Eu dizia mesmo que o papel higiénico era um não produto. As pessoas usavam, porque tinham de usar. Fazia imensa falta quando não o tinham mas, fora disso, não era falado socialmente e quase comprado com vergonha. Mas quero o esclarecer que houve na Renova dois momentos muito importantes: o primeiro é o facto de a empresa ter construído todo o seu desenvolvimento em cima de uma marca, ou seja, não foi a fazer um produto industrial, mas uma marca e que tem o produto industrial por trás. E o que é uma marca? É algo que interfere com as pessoas em geral, com os cidadãos, bem ou mal. E nós decidimos que o desenvolvimento da empresa era feito debaixo da marca Renova, em vez de estarmos a fazer produtos para terceiros (marcas brancas). Foi mais difícil do ponto de vista da internacionalização, mas foi o caminho que escolhemos. No passado, muito poucas marcas portuguesas se internacionalizaram. Tínhamos muito boas empresas a fazer produtos para outros lá fora, mas não com a sua própria marca. Esse é um aspecto que está no nosso desenvolvimento e que é importante do ponto de vista histórico. Mas, uma marca tem necessidade de ter muitas coisas à sua volta, e uma delas é a capacidade de se reinventar e, como sugere o nome da nossa empresa, de se renovar. A marca tem de surpreender, se faz sempre a mesma coisa vai desaparecer, por isso tem de ter a capacidade de estar sempre a criar esta ligação com os cidadãos, tal como as pessoas têm de ter a ligação umas com as outras. Tem de ser alimentada. É preciso inovar, seduzir e surpreender as pessoas. Quanto mais premium ou quanto mais luxo, ainda mais tem de o fazer. Esse é um aspecto histórico da Renova, desde sempre.

Mas conseguiu pôr o mundo a falar de papel higiénico em qualquer lugar, com o lançamento da “Black Edition”…

Sim, neste percurso, o papel higiénico preto, aliado a este desenvolvimento de marca, criou aqui algo um bocadinho explosivo. Mas antes do papel preto o desenvolvimento de marca tinha tido muita publicidade, em França, em Espanha e cá em Portugal, com campanhas muito polémicas, diferentes, permitindo colocar a marca num posicionamento diferente daquilo que existia. Quando aparece o papel higiénico preto, surge um produto que, de repente, deixa de ser um não produto e passa a ser um produto, no sentido em que as pessoas podem dizer que gostam muito, que detestam, que fica muito bem na sua casa de banho, ou que já o viram na casa de banho da sua prima, ou que o vão comprar para oferecer a alguém. Podem dizer uma coisa absurda e que não faz sentido nenhum, mas a verdade é que passa a haver uma relação emocional com o produto. Mas foi preciso haver uma coerência em relação ao que fomos construindo, entre as campanhas focadas numa marca de bem estar, em relação ao corpo e à ideia de ser o papel mais sexy do mundo, e um produto diferenciador que permitiu termos algo que foi uma explosão e que nos permitiu ter notoriedade.

Há muito boas empresas a fazerem coisas, mas depois a marca, o que é intangível, vai ficar debaixo de um determinado grupo que não é português e muitas vezes o valor está aí. Penso que o PIB português é muito baixo e não é porque em Portugal se trabalhe pouco ou mal, pelo contrário, trabalha-se bem e até se trabalha muito, mas é porque o valor acrescentado vai lá para fora

Ou seja, antes de lançar o produto, trabalhou a marca. Será esse o posionamento que as empresas devem ter na generalidade?

[LER_MAIS] Não gosto de dar conselhos. Cada empresa tem a sua empresa. Pode haver uma empresa espectacular a fazer produtos para terceiros, a fazer, por exemplo, os melhores sapatos do mundo para as marcas todas e não tem mal nenhum. Pode ser extremamente rentável. Não sou eu que vou dizer que as empresas estão a fazer mal. O que acho é que em Portugal há poucas marcas internacionais. Há muito boas empresas a fazerem coisas, mas depois a marca, o que é intangível, vai ficar debaixo de um determinado grupo que não é português e muitas vezes o valor está aí. Penso que o PIB português é muito baixo e não é porque em Portugal se trabalhe pouco ou mal, pelo contrário, trabalha-se bem e até se trabalha muito, mas é porque o valor acrescentado vai lá para fora. Mas isto não quer dizer que não fazer marca seja uma coisa má. Cada empresa tem a sua estratégia e pode ter mesmo essa estratégia de não fazer marca.

Não será apenas por uma questão de estratégia que as empresas portuguesas não apostam mais em marca. Há outras razões para isso?

Apesar de tudo, registou-se uma mudança muito grande nos últimos 10 anos, começando a haver uma maior atenção ao aspecto das marcas, que não existia no passado. Trabalhar uma marca é um trabalho difícil. Se estamos numa marca tecnológica, de um produto que não existe, é relativamente fácil. Não existe, aparece e as pessoas ligam-no a uma marca. Se não é esse o caso, trabalhar uma marca é sempre um processo de médio/longo prazo, não é possível fazê-lo em curto prazo. Implica do empresário abdicar de alguns resultados de curto prazo e tentar investir com uma visão mais a longo prazo e numa coisa intangível. Às vezes é muito fácil escolher comprar uma máquina ou um equipamento para fazer um qualquer produto. Vamos ver fornecedores, ver o que existe de melhor no mercado e que se coaduna melhor com as nossas necessidades e é relativamente fácil fazer a escolha; mas quando estamos a trabalhar em termos de marcas, temos de perceber qual é o nosso posicionamento em vários países e é muito difícil. Não há termo de comparação. Cada marca tem de ser, pela sua própria natureza, diferente de todas as outras, e esse é um trabalho mais arriscado, menos científico. E com todas as mudanças que estão a acontecer no mundo, que tornam mais dispersas as formas que as pessoas têm de comunicar, é muito mais complicado. Todo esse mundo, é um mundo complicado, que implica riscos, que implica experimentação, reinvenção, implica não ter medo de falhar. E acho que em Portugal, o erro e a falha eram muito penalizados, e se calhar aí também era uma razão para as pessoas terem um bocadinho mais de receio. Acho que há gerações novas que já estão a mudar, nos EUA já se fizeram muitas coisas, já têm muito menos medo de correr riscos. Há todo este ambiente ainda no nosso País, mas acho que está a mudar.

Com as medidas que tomou na empresa, nomeadamente com o lançamento do papel preto, também correu riscos. Não teve medo?

A marca Renova já existia antes de mim, precedendo mesmo a existência de uma empresa mais de 100 anos, que é muito interessante. Acho que está mesmo no nosso ADN a marca existir antes da própria empresa, o que é raríssimo. Mas isto para dizer que o maior risco é não correr riscos no mundo actual. Corremos muitos riscos, é verdade. Estamos numa indústria de capital intensivo, com máquinas de papel muito grandes, processos produtivos complexos, e os riscos, a fazermos um investimento errado, são imensos, comparados em valor com o que fazemos em comunicação de marca. É verdade que quando se corre o risco de uma marca, pode-se estragá-la para sempre. Por isso, tudo implica coerência, pensar muito, com muito bom senso, fazer as coisas de maneira estruturada e respeitando os fins daquilo que se quer, e corrigir os erros, se existirem, no curto prazo.

Para se apostar em marca, tem de haver solidez financeira, é um imperativo nas empresas?

Dentro de uma empresa, não é possível fazer um trabalho de marca, se toda a estrutura interna não funcionar bem. Portanto, sim, se a pessoa não tem uma estrutura financeira saudável, deixa de ser dona da sua própria marca e acaba por trabalhar a curto prazo, porque está num estado de sobrevivência. A solidez financeira é muito importante para que uma pessoa possa ter uma estratégia, qualquer que ela seja. Por muitas razões, em Portugal houve muitas empresas que passaram períodos com algumas dificuldades e não lhes foi possível avançar para outras estratégias de longo prazo, porque tiveram de se resolver no curto prazo.

Habituou as pessoas à diferenciação dos seus produtos. Não teme “desiludi-los”, caso haja um dia em que não faça alguma coisa que não seja boa?

Temo. As pessoas são muito exigentes. Mas esse é mais um desafio. Ressalvo que as ideias não saem da minha cabeça, mas de um grupo que todos os dias trabalha para que as coisas aconteçam e a quem presto homenagem e também às pessoas do passado, que fizeram a empresa, porque há aqui um patromónio/marca ao qual temos de ser fiéis e temos de respeitar. Mas não desiludir as pessoas é um desafio muito grande. Temos de ser capazes de surpreender com coisas diferentes. Mas nós não vendemos só produtos de luxo, também temos de ser capazes de satisfazer as necessidades mais básicas das pessoas, com produtos de boa qualidade, premium, mas normais. Fazer um produto mais central na pirâmide, muito bem feito, com uma qualidade- preço que seja espectacular, às vezes, para mim, é o maior desafio. É conseguir trazer extra ao ordinário. Nem tudo tem de ter o efeito ‘uau’, às vezes pode não se ver, só na sua própria utilização.

Como é que a capacidade de surpreender as pessoas pode ser potenciada nas empresas?

No passado, eu via o mundo como uma superfície numa esfera. A geografia tinha muita importância. Vivi grande parte da minha adolescência em Abrantes e de alguma forma era prisioneiro da geografia, o meu conhecimento do mundo vinha dos livros, das aulas, dos dois canais de televisão a preto e branco. Era o que havia na altura, não havia internet, não se viajava como hoje, portanto, o conhecimento era muito limitado. Hoje, não vejo o mundo nada assim, essa geografia, física, continua a ser importante, mas o mundo é uma sobreposição de redes sem fronteiras, com as internets e essas coisas todas. Qualquer pessoa hoje, num sítio qualquer, consegue estar informado em relação a tudo, pelo menos num país mais ou menos livre. Isto implica às organizações que estão a trabalhar, como nós, a necessidade de se adaptarem a um mundo que deixou de ser prisioneiro da geografia e passa a ser um mundo com redes e redes e redes. O que é que que isto quer dizer? Que passamos de um sistema fechado – a empresa, a cidade, o país – que tinha fronteiras para sistemas muito abertos. Antigamente, se calhar não deixávamos ninguém tirar fotografias na empresa porque podia haver uma cópia de uma coisa qualquer, hoje temos imensas visitas, e deixamos que tirem as fotografias que quiserem e digam até ao mundo que estão aqui. Vão aparecer coisas que estão mal, mas isso permite-nos corrigilas e essa postura mostra a nossa transparência naquilo que somos.

Sim, somos o líder mundial do papel de luxo, mas isso é uma maneira pouco séria de ver o assunto. Se eu encarar o assunto
de outra forma, não existo verdadeiramente. Por isso, o meu maior desafio é internacionalizar a marca em mais países e é imenso
o trabalho a fazer

As empresas devem ser entidades mais abertas ao mundo…

As pessoas, no passado, tinham de fazer sempre da mesma forma. Hoje não é assim, mesmo um operador de uma linha tem três ecrãs de computador e tem, durante um quarto de hora, de tomar imensas decisões, tendo em conta os seus valores, e tem de o fazer sozinho, porque não tem tempo de perguntar a ninguém. Antigamente as pessoas tinham um trabalho mais gestual, braçal, como se fosse uma máquina, esse trabalho foi substituído pelos computadores. O trabalho hoje é intelectual, mesmo o do operador que trabalha com computadores que, por seu lado, se tornam obsoletos com muita rapidez, porque os sistemas estão sempre a mudar, estão sempre a aparecer coisas novas. Portanto, as pessoas têm de ser capazes de se adaptar a este mundo em redes. O valor e o talento de cada pessoa que admitimos está extremamente ligado à rede que tem à sua volta, aos sítios onde estudou, aos amigos que tem, ao conhecimento do mundo, à curiosidade, à capacidade de resolver problemas… Eu não tenho de formatar a pessoa como se fosse uma peça de um puzzle, porque isso são os robots que fazem. O que tenho é uma pessoa que seja capaz de resolver problemas, de ir para a frente, de descobrir mundos novos e de estar neste mundo assim. Há esta adaptação do passar de um mundo fechado, onde eu ainda trabalhei um bocadinho, para um mundo muitíssimo mais aberto, com muito mais liberdade. E assim surgem ideias para tudo, podem ser para um conceito de um produto novo ou podem ser para a resolução de um problema de uma linha. Essas novas ideias vêm muito desta capacidade de ir beber às redes todas que há no mundo e, muitas vezes, a ideias de coisas que já existem. Todos os dias estamos a receber ideias, em particular nas redes sociais, de pessoas de várias partes do mundo. Todo esse sistema é extremamente importante, porque está ligado à co-criatividade. É complexo, cada vez mais, porque isto implica estar a trabalhar em muitos países. É muito importante ter essa abertura de espírito e não nos fecharmos pensando que nós é que sabemos tudo, que temos o conhecimento inteiro É muito importante o trabalho com as universidades, com os centros de investigação. A leitura de jornais, de coisas diferentes, ter a noção do mundo, é muito importante a todos os níveis, pode ser para o conceito do produto, mas também para a resolução de um problema numa fábrica. O mundo antigamente era muito fechado e quase que se esperava que fosse a empresa a dar tudo, o job description. Hoje, quando escrevemos um book até ao fim, já está desactualizado. O que tenho é de dar às pessoas a capacidade de elas tomarem decisões, de aprenderem, isto implica muita formação, mas é uma formação diferente daquela que foi no passado.

Consegue imaginar-se na pele de um empresário português que tem consciência de todos os factores críticos que apontou mas depois não tem dimensão, nem capacidade financeira para concretizar os seus projectos?

Às vezes apetecia-me dizer: não façam nada. Deixe os outros fazerem. Às vezes um erro em que alguns empresários caem, e podemos cair todos e eu também, é que podemos pensar que sabemos tudo, e temos a verdade toda nós, pela experiência e pelo passado. E é nesse aspecto que digo, não façam nada, rodeiem-se de uma pessoa mais nova e uma outra mais velha. Antes de tomarem uma decisão, dêem uma volta por outros sítios, fora, no mundo, passem uma semana com essas pessoas, vão ver supermercados, vão para Nova Iorque, vejam galerias de arte, ao mesmo tempo vão a um restaurante, andem na rua, ouçam e vejam como se faz nos outros países. Às vezes, o afastar um bocadinho do sítio onde estamos, ver com alguma distância as coisas e falar com pessoas com backgrounds diferentes, umas muito novas e com vontade de fazer coisas e outras mais velhas com mais experiência sobre o assunto, juntá- las e falar das coisas, sem ser a decisão do dia-a-dia, é muito importante. Para começar, um bocadinho de reflexão sobre os assuntos antes das decisões é muito importante, também se pode comprar essa reflexão a uma empresa de consultadoria, que nos vai dar esse olhar, mas eu gosto muito de sujar as mãos, com pessoas diferentes, nossas, e de ouvir o que elas têm para dizer. Os brainstormings ao final do dia, no príncipio do dia, sair com as pessoas para fora, convidá-las para almoçar ou para jantar, e ouvir aquilo que têm a dizer, com tempo, sem ser numa má altura, é muito importante. Porque elas estão à vontade e caem- -lhes as barreiras. Gosto muito de pessoas, e acho que um empresário tem de gostar de pessoas. Se não gostar, é melhor não ser empresário, deve ser outra coisa. E gostar de pessoas implica ouvi-las e às vezes é preciso provocá-las, de forma a dizerem a verdade, de forma até exagerada.

As empresas deparam-se com uma enorme lacuna nos recursos humanos, mais especificamente ao nível das áreas mais técnicas e tecnológicas. Como se resolve este problema?

Esse é um problema de todo o mundo ocidental. Tenho duas visões em relação a esse assunto: uma é que é óptimo; o que é mau é quando há muitas pessoas sem emprego e a maneira certa de os salários subirem não é por decreto mas é pelo facto de o talento ser premiado porque é preciso. As pessoas novas também mudam muito hoje em dia e temos de ser capazes de criar uma estrutura que permita lidar com essa situação. E temos de ter a capacidade de atrair pessoas do mundo inteiro. Como temos um ambiente internacional, temos de ir buscar pessoas a vários países. Nas engenharias é mais difícil, mas acho que do ponto de vista nacional o que me assusta mais não é tanto as pessoas que saem das escolas com uma formação, mas as que não entram no sistema, os alunos que abandonam o ensino secundário, e Portugal tem taxas de abandono muito grandes. Para essas pessoas devíamos actuar muito rapidamente, dando-lhes uma formação efectiva, e não passá-las administrativamente, para que possam ter um vida boa, com as escolhas que deviam ter. O seu percurso académico na Suíça, ligado às Ciências puras, e as viagens que fez pelo mundo, o contacto com outras culturas, as redes sociais, desenharam o seu trajecto de vida? A pessoa com a idade vai mudando, vai evoluindo e espero que continue a evoluir. Como já referi, quando fui educado não havia redes sociais, o meu conhecimento do mundo, em Abrantes, essencialmente veio dos clássicos, de todos os escritores, isso trouxeu-se uma noção do mundo, da vida, das pessoas. Li coisas muito diferentes, os Dostoievski todos, os Tolstoy e tantos outros, o que me trouxe algum conhecimento do mundo. Não foram viagens, nem foi a internet, nem foram as séries. Não havia museus em Abrantes, portanto o conhecimento veio muito dos livros. Contudo, não tenho dúvidas em afirmar que os meus clássicos, hoje em dia, são as redes sociais da gente nova. É onde onde vou buscar as coisas. Leio-os com a mesma avidez com que li Shakespeare, Nietzsche ou Eça de Queirós. Leio-os com a mesma sensação de estar aprender relacionamentos, de como as pessoas comunicam – não é muitas vezes a verdade -, de como é que as pessoas se comunicam. E ver isso em gente nova, é muito interessante.

E como é que eles vêem o mundo?  

Não sou um estudioso… mas acho que vêem o mundo de uma maneira às vezes mais ligeira do que nós, algumas vezes mais espontânea, e se calhar menos agarrados a coisas e mais agarrados a experiências. Não terem uma casa recheada de coisas, mas irem a um bom restaurante, irem ver o Benfica, ou irem a um concerto, viajar mais. Só nisso, tenho algo muito importante para reter quadros, dar-lhes experiências. Preocupo-me que o trabalho lhes permita ter experiências diferentes e não só coisas, e isso é muito interessante.

Alterou a sua forma de liderança ao longo do seu percurso na empresa?

Forçosamente alterei, porque não tive as mesmas responsabilidades. É muito diferente ser o presidente do Conselho de Administração de uma empresa e ser um director. Custou-me muito esta mudança, pois como presidente do Conselho de Administração estou menos dentro dos pormenores, tenho de ser capaz de delegar e de confiar nas pessoas. Se eu quero fazer tudo, não vou fazer nada, se quero controlar tudo, não vou controlar nada. É impossível. A delegação é muito importante. E em empresas pequenas, às vezes em empresas familiares, o saber delegar não é fácil. Tem de se fazer uma aprendizagem. No passado, estava habituado a controlar tudo, e cheguei a um momento da minha vida em que tive de confiar nas pessoas, caso contrário não se avançava. É uma grande aprendizagem, logo aí há uma diferença de liderança muito grande. Se calhar é apostar mais na escolha das pessoas do que no controlo das coisas.

A Renova é uma empresa familiar com muitos anos, que se mantém com uma estrutura familiar. Há algum “segredo” para isso?

A Renova teve uma génese um bocadinho diferente das outras empresas familiares. No seu capital existiam várias famílias e não houve um fundador único. Coloca-se menos o problema da sucessão nestes casos, no sentido em que muito provavelmente, desde o início, houve alguma separação entre aquilo que é a gestão e a propriedade. Mas acho extremamente importante para as empresas que querem sobreviver, a meritocracia. Não se vai ter uma empresa, familiar ou não, com um quadro muito bom que não seja da família, se se vai depois tratar de forma diferenciada em relação aos outros. Colocar uma pessoa incompetente só porque é da família é o mesmo que matar a empresa, mesmo que ela seja misturada com outras pessoas competentes. Essa pessoa incompetente da família vai criar problemas à volta com alguma gravidade.

A Renova tem mais projectos “fora da caixa” para saírem em breve?

As pessoas estão sempre à espera que saia outro papel higiénico preto ou outra coisa qualquer assim diferente. Quanto falo é sempre com muita humildade, porque tenho de a ter. Quando vemos a minha indústria no mundo inteiro, se eu fizer uma barra, com as maiores empresas no mundo – a maior é chinesa e a segunda é capaz de ser nórdica, depois vêm as americanas, etc, – onde é que está a Renova no meio disto tudo? Não existe. E quando eu digo a Renova, todas as empresas são assim em Portugal, o nosso mercado é tão pequeno que mesmo a EDP, no mercado da electricidade mundial não existe, é pequenina, portanto, fica lá o risquinho. Normalmente, as coisas não se apresentam assim. Sim, somos o líder mundial do papel de luxo, mas isso é uma maneira pouco séria de ver o assunto. Se eu encarar o assunto de outra forma, não existo verdadeiramente. Por isso, o meu maior desafio neste momento é internacionalizar a marca em mais países e é imenso o trabalho a fazer. Quando alguém que está no Paquistão me manda uma fotografia de um supermercado com o nosso papel nas prateleiras, fico todo contente. O nosso maior desafio mais importante é conseguir com que a marca Renova esteja em mais sítios, com este posicionamento. Para isso é preciso mais produtos e não tanto ter mais uma ideia nova. Não podem imaginar o meu contentamento quando um amigo me enviou do interior da China também uma foto de um produto Renova, o único produto português que estava naquele hipermercado. É a sensação de conseguir, aqui do Portugal profundo, de Torres Novas, com as pessoas que fazem os nossos produtos, uma marca que se consegue vender mais cara que os outros que existem na China. O meu maior desafio é conseguir mais coisas dessas.

Em quantos países está?

A sério, estamos em cerca de uma dezena, mas depois vendemos em 70 ou 80, e pela internet vendemos para muitos mais.

Espanha foi um dos seus primeiros mercados internacionais. Considera que o futuro passa por um mercado ibérico?

Já olho para a Península Ibérica como um todo, onde não há nenhuma fronteira para os nossos produtos. E para a maioria dos produtos, qualquer dia não temos outra solução. As empresas cada vez mais têm de deixar de pensar que estão em Portugal, porque elas estão interncionalizadas, quer queiram quer não, porque vão ter – e muitas já têm – concorrentes espanhóis. Eles estão cá. Portanto, na maioria dos casos, mesmo que não façam nada, as empresas portuguesas já estão internacionalizadas, mesmo sem o saberem, porque os clientes já são internacionais.

Refere na sua página na Internet que gosta de explorar a relação entre a Física e a Metafísica, acredita “em Jesus como o deus-pessoa que tem a resposta para as grandes perguntas”. Quando tem dúvidas, recorre à fé ou à ciência?

Dir-lhe-ia o seguinte: quando estiveres a rezar, a pensar em Deus, fá-lo como se tudo o que tu fizeres não tenha importância nenhuma. E quando estiveres a fazer as coisas, faz como se só o que tu fazes é que tenha importância. Há aqui uma fase de reflexão entre as coisas que posso ter e não têm importância nenhuma no universo todo; mas quando passo para o concreto tenho de fazer o máximo que posso, e tenho de me dar totalmente a essa coisa. E não vejo uma incoerência, porque preciso das duas, são dois polos diferentes em dois planos diferentes, ou seja, não vou ficar a rezar e a não fazer nada, como não vou ficar do outro lado a fazer tudo e a não pensar que não há mais nada. Gosto de algum equilíbrio. Tenho de fazer o melhor que sei, gosto de me dar totalmente ao que faço e sentir que estou a fazer tudo neste mundo, mas tendo em conta que não sou nada neste universo todo. É a resposta que tenho, não é uma escolha. Eu não conto nada, eu não sou nada, mas naquilo que faço no meu momento, tenho de fazer o melhor que sei e o que posso.

Etiquetas: empresasmarcaspapel higiénicorenova
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