“O projecto Peixe Seco: Conciliando a tradição com a inovação teve início com a nossa perplexidade, ao constatar que este produto não pode ser comprado num supermercado, nem pedido num restaurante, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o bacalhau de cura amarela”, contextualiza João Barba, um dos mentores da iniciativa e também membro da associação ONDA, de Peniche.
Isto porque a venda do peixe seco ao sol está numa “zona cinzenta”. “Não é legal. É apenas tolerada”, refere João Barba.
Com o objectivo de inverter a situação e de possibilitar uma comercialização em maior escala deste artigo, o primeiro passo foi apresentar a questão à comunidade científica, designadamente ao MARE, do Politécnico de Leiria, que tem vindo a investigar sobre a matéria. A ideia era saber se é possível fazê-lo e perceber quão perto, ou longe, se está dessa comercialização em maior escala, explica João Barba.
“Luís Fernando Almeida, presidente da ONDA, tomou a iniciativa de contactar o MARE, para partirmos de uma base científica, e ficámos surpreendidos pela militância da unidade, que depressa deu início ao estudo”, conta João Barba, que também se congratula pelo pronto interesse de outros parceiros, além do Politécnico de Leiria.
Entre eles, a Mútua dos Pescadores e o Município de Peniche, interessados “em que a tradição de seca de peixe não morra”; a Docapesca, “que percebe [LER_MAIS]a lógica da valorização do pescado”; assim como o Intermarché de Peniche. “Até porque no Norte da Europa, o grupo do Intermarché comercializa muitas toneladas de peixe seco”, observa João Barba.
Para dar a conhecer ao MARE os tradicionais procedimentos de salga e de seca, o projecto conta com uma consultora, uma vendedora de peixe seco, que demonstrou o processo através do qual transforma o litão, o carapau, a raia, o safio e outras espécies, que sobram da venda da praça. Wilson Fernandes é o investigador bolseiro do MARE, que mais se tem dedicado ao projecto Peixe Seco, e que explica ao nosso jornal as várias etapas da pesquisa, que ainda está em curso.
Em primeiro lugar, havia que caracterizar, física, química e sensorialmente o peixe tradicionalmente seco em Peniche. Depois, caracterizar as etapas desse processo produtivo artesanal e adaptá-lo às práticas de higiene e de segurança aplicadas hoje em dia, para garantir essa segurança ao consumidor.
E, nessa fase, foi dado a provar peixe ao público, já seco com um método actualizado, para saber se encontrava diferenças nos produtos obtidos.
Depois, há ainda que criar um caderno de especificações, para que, quem queira produzir peixe seco, o faça de forma segura, refere Wilson Fernandes.
“O método actualizado não difere muito do tradicional. Só actualiza algumas práticas para corresponder aos critérios de segurança actuais. Por exemplo, a salga de peixe decorre em câmara de refrigeração, a temperatura controlada, e o sal não deve ser reaproveitado. E a secagem deve ser controlada numa estrutura, que resguarde o peixe durante a secagem, dos insectos, aves e outros animais, ainda que permitindo a incidência do sol e a circulação de ar”, explica o investigador.
Dado que, pelo processo tradicional, é difícil garantir que o peixe seco cumpre as actuais normas legais de higiene e segurança, a Direcção- Geral de Alimentação e Veterinária só autoriza a venda em pequenas quantidades e localmente. O problema está na sua comercialização massificada e é por isso que há que trabalhar num processo actualizado, que ofereça essa garantia, explica Wilson Fernandes.
Dia 30 de Novembro, decorreu em Peniche a apresentação dos resultados intermédios deste projecto, bem como de um livro de receitas desenvolvido pelo curso TeSP Cozinha e Produção Alimentar da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, do Politécnico de Leiria, sob orientação da chef Patrícia Borges. O momento, que contou com a presença da secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, serviu ainda para promover a degustação das várias receitas que têm o peixe seco como ingrediente. O projecto caracteriza-se, de resto, pelas diferentes vertentes através das quais este produto é valorizado. Têm vindo a ser feitas fotografias de peixe seco, pela lente de Bárbara Marques, e foi também realizado um filme de animação, a fim de ser projectado nas escolas, de forma a sensibilizar o público mais jovem para este produto tradicional