Se calhar era interessante discutir o problema da Catalunha e, em particular, o problema das independências, do futuro do estado-nação, etc., etc. Mas, Zé, o Pinhal de Leiria ardeu quase todo. O nosso jornal tem sido implacável no tratamento alargado do assunto, mas, até por razões sentimentais – a Praia da Vieira de Leiria tem uma expressão de relevo insubstituível na minha vida e da minha família – não posso, nem quero, deixar de falar nisso.
Deixa-me só pegar nalguns títulos das notícias da primeira página do jornal de 26 de outubro, já que a de 19 de outubro é a expressão mais viva; a imagem que cobre inteiramente a capa… diz tudo!
Mas cá vão os títulos: “Turismo da desgraça entope estradas das matas” (na descrição da notícia há quem lhe chame turismo “mórbido”); “Ministro admite Pinhal de Leiria nas mãos de privados”; “De 180 trabalhadores a dezena e meia em 40 anos”, mas “Pinhal de Leiria rendia dois milhões por ano mas só recebia 175 mil euros”. Se misturares bem estas notícias perceberás porque tudo aconteceu e a confusão que reina agora sobre o futuro.
Independentemente dos aproveitamentos políticos e das responsabilidades aumentadas ao longo do tempo, há duas perplexidades que não me largam; a primeira diz respeito à origem dos fogos, que quase não aparece discutida e que parece tabu.
Mas sem identificar a origem e tomar medidas duras, não há plano para o futuro que assegure que não se repetirá! Aliás, o Sr. primeiro-ministro, na sua desastrada intervenção, até avisou logo que os fogos continuariam.
[LER_MAIS] A segunda perplexidade tem a ver com a convocação urgente do Conselho de Ministros, para tomar decisões à pressa, como reação ao discurso do Presidente da República e ao ambiente hostil que já se sentia na sociedade portuguesa.
Pergunto eu: Então esse Conselho não devia ter sido realizado logo após a tragédia de Pedrógão Grande? É que se teria, por certo, evitado boa parte do que aconteceu em 15 de outubro, tanto mais que não cabe na cabeça de ninguém diminuir meios de prevenção e de remediação perante a meteorologia anunciada.
Em particular, o erro de limitar meios aéreos, os únicos que podem ir buscar água onde a há, vital numa altura de seca. Há, pois, clamoroso erro do Estado e, melhor que eu, Henrique Neto já pôs os pontos nos “is” (e não todos porque lhe faltou espaço) sobre isso no jornal do passado dia 26.
Ao lembrar aí o que se passou a 2 de setembro de 1916, fez-me vir à memória um “Relatório da Comissão nomeada para estudar a influência da resinagem no Pinhal de Leiria”. Data da nomeação da Comissão: 3 de agosto de 1880.
Membros da Comissão: três (o Diretor das Matas da Marinha Grande e dois catedráticos de Agronomia). Data da entrega do Relatório (com um estudo aprofundado que vale a pena ler): 2 de dezembro de 1880! (Sem computadores nem outros meios atuais de recolha de informação). Cuidava-se do pinhal, com zelo e competência. E agora? Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito de acordo com a nova ortografia