Psicologicamente sempre me senti um bocadinho hedonista e talvez por isso, para me afastar das penosas memorizações a que a maioria das cadeiras do meu curso me obrigavam, decidi ingressar no mundo do trabalho.
Nessa época, faltavam professores no país e foi-me muito fácil, apesar de ainda não ter estágio, arranjar uma escola secundária para dar aulas.
Algo receosa, mas muito mais seduzida pela novidade do desafio que tinha pela frente, apetrechei-me com algumas ferramentas: sabia que ia sentir a necessidade de estudar, diariamente, para responder a problemas concretos (finalmente!) de aprendizagem.
Todos os dias via a minha mãe, que era professora, a ler, a estudar, a planificar e percebi que eu teria de fazer o mesmo; da minha experiência como aluna conhecia as características dos professores que para mim foram uma inspiração.
Com a D. Lucília (só os professores homens eram Dr.) professora de Francês, que nos obrigava a assinar o Paris Match e a ler literatura francesa para nos mostrar o Mundo, percebi a necessidade de intelectualizar a minha função docente e de assumir o dever moral de fomentar e promover no grupo turma a aprendizagem de matérias suportados em processos de reflexão crítica.
Com a D. Ana Maria, professora de Matemática, compreendi a importância de um professor confiar nas capacidades dos alunos, de não ver os seus erros como fracassos, mas antes como oportunidades para eles aprenderem mais e com mais significado; com a Dra. Ludovina, minha professora nas práticas de genética na faculdade, aprendi o valor da humildade no perfil de quem detém algum poder sobre os alunos.
E foi assim, apetrechada com estas ferramentas, que no primeiro dia de aulas, ao comunicar aos alunos a necessidade de nos relacionarmos com respeito, um aluno mais espigadote me perguntou: – Então quer dizer que, desde que haja respeito, nós a podemos tratar por tu?
Aflita, mas sem perder a pose, rapidamente recorri às minhas ferramentas e não encontrando justificação para responder – não! – respondi: – Claro que sim!
Percebi de imediato que, com esta resposta, as minhas necessidades de estudo se tinham ampliado enormemente. Pus-me a estudar pedagogia, didática, artigos científicos, filosofia e ética, diários de professores, eu sei lá!
Só sei que aquele meu primeiro ano na docência correu às mil maravilhas: os alunos também levaram a peito aquela coisa de me tratar por tu e os que conseguiram fazê-lo puseram-se a estudar para não me dececionar; os colegas que iam espiar as minhas aulas (por causa do “tu” [LER_MAIS] antevendo-as caóticas) perceberam como elas decorriam – afinal, com os alunos empenhados em aprender e sem qualquer tipo de indisciplina; pela minha parte percebi o valor do estudo quando feito para responder a uma necessidade compreendida pelo estudante.
Entendi que a faculdade, ao obrigar-me a estudar todas aquelas fastidiosas matérias, afinal me deu uma lição para a vida – mostrou-me a minha ignorância, fez-me sentir a necessidade de me dispor, com humildade, a estudar sempre!
Felizmente, acabei completamente apaixonada pela profissão docente, mas podia não ter sido assim!
Podia ser como ainda hoje pode ser para muitos: um emprego e não uma apaixonante profissão.
*Professora
Texto escrito de acordo com a nova ortografia