Meu Caro Zé,
O Estádio Nacional, no Jamor, completou 75 anos no dia 10 de junho. À mesma hora, nascia este teu amigo e é por isso que quer o estádio, quer o dia (ainda por cima feriado) sempre tiveram um particular significado para mim.
Só que este ano o dia foi, felizmente, “apimentado” pelo discurso do jornalista João Miguel Tavares (JMT) que, tanto quanto me apercebi, acabou por ter uma expressão de discussão política que parecia esquecida.
Li o discurso todo e, aparte umas trocas de impressões em família, não tive ocasião de me inteirar do teor das reações e contrarreações ao discurso, com exceção de um artigo no dia 12 de junho no Público de Rui Tavares, que, aliás, sempre leio, com um título preocupante “Os políticos não nos darão nada que não saibamos” e uma “caixa” que salientava “Discurso de JMT suscitou um debate sobre a sua relevância e ajuda-nos a pensar o momento em que o País está”.
E Rui Tavares acrescenta: “Só por isso, é um discurso de 10 de junho que cumpre com o seu objetivo de uma maneira que não sucedida desde o pronunciado por Sampaio da Nóvoa em 2012”.
Aliás, Rui Tavares, numa inequívoca demonstração de espírito democrático, a que aliás nos habituou (e que tanta falta vai fazer no Parlamento Europeu), expressava a sua concordância com JMT em muitos pontos, para, no fim, explicitar a sua discordância em relação ao facto de JMT ter pedido aos “políticos que nos deem «algo em que acreditar»”.
Vê nisso dois problemas: “O primeiro é que os políticos não o vão fazer”.
O segundo problema é este [LER_MAIS] mesmo: não há “nós e eles” (a separação que JMT refere no discurso) na relação entre os cidadãos e os políticos”.
Sobre este segundo ponto defende que Portugal tem de conseguir construir uma sociedade civil forte em que “ninguém é só comentador ou pode dar-se ao luxo de exigir dos políticos aquilo que só todos os cidadãos podem dar”.
Estou inteiramente de acordo com ele, mas encontro no discurso de JMT a necessidade de transformar o “indivíduo” no “cidadão”, ou seja, aquele que participa na cidade (“pólis”).
Isso parece-me implícito na parte final do seu discurso, onde preconiza que cada português se identifique como: “Sou um cidadão que todos os dias faz a sua parte para que possamos viver num Portugal melhor e mais justo”.
Talvez, e será assim que Rui Tavares terá lido, que esta posição não jogue bem com a ideia de exclusividade de serem os políticos a “dar-nos algo em que acreditar”. Mas, também, a tal frase “Os políticos não nos darão nada que já não saibamos”, vindo de um cidadão (político portanto) deixa-me de “rastos”.
Ficaria mais calmo se tivesse escrito que não é só aos políticos que se pede o traçar do caminho, esperando que eles saibam integrar a verdadeira vontade dos cidadãos que se assumem como tais.
Se não é assim, não vale a pena repensar todo o sistema político e, em particular, os processos de representação e decisão?
Até sempre,
*Professor Universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990