Meu Caro Zé,
Acabei de ler cuidadosamente o livro Diplomacia, de Henry Kissinger, editado há cerca de 20 anos pela Gradiva, do nosso comum amigo Guilherme Valente, a quem muito devem a cultura e a ciência portuguesas.
Comprei o livro quase nessa altura e só agora tive a curiosidade e a coragem de o ler, estando ainda a guardar apontamentos de páginas que na altura assinalei. Creio que a leitura do livro lembrará o Vinho do Porto, isto é, lê-se melhor com a passagem dos anos, colocando-nos perante algumas situacções de que já nos esquecêramos e que a esta distância são vistas com outra luz.
O livro ajuda-nos a perceber o Brexit, sendo, neste contexto, curiosa e liminar uma frase de Kissinger, mesmo no fim do livro (pág. 730): “Num mundo interdependente será difícil para a América praticar o isolamento total da Grã-Bretanha.”
Mas isso é apenas um eflúvio de toda a avaliação do comportamento histórico da Inglaterra e
não é o tema que hoje me leva a escrever-te. Ficarei antes pela formação da defunta Sociedade das Nações, sob a égide do Presidente dos EUA, Wilson, embora a ideia lhe tenha sido “assoprada” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros inglês Edward Gray, constituída através do Pacto de Paris (1928), mais conhecida por Pacto Kellogg- Briand.
Kissinger defende que o Pacto foi assinado com segundas intenções e que logo começaram os subscritores, começando pela França, passando pela Inglaterra e culminando nos Estados Unidos, a adulterá-lo. Kellog, Secretário de Estado americano, respondendo perante a Comissão de Relações Externas do Senado (cito Kissinger), afirmou que “os EUA não tinham obrigação, segundo o Pacto, de ajudar as vítimas de agressão, [LER_MAIS] dado que essa agressão mostraria que o Pacto fora abolido” (deve ter confundido abolido com violado e a confusão não é inocente, pois as consequências a tirar dos dois termos seriam radicalmente diferentes).
Continuando a citar Kissinger, o Senador de Montana, Welsh, perguntou a Kellog: “Se alguma outra nação quebrou de facto esse tratado porque deveríamos nós continuar interessados nele?”. “Não há razão para tal”, respondeu Kellog.
E Kissinger remata: “Kellog tinha reduzido o tratado à tautologia de que o Pacto de Paris preservaria a paz, por tanto tempo quanto a paz possa ir sendo preservada.” Tem isto alguma coisa a ver connosco, hoje?
Por tautologia relembro uma esquecida resposta do primeiro-ministro, António Costa, à SIC, no telejornal da noite (16-11-2015) sobre a situação do acordo que estava a ser negociado e do qual saiu a já incontornável “geringonça”: “Há acordo no que há acordo e não há acordo no que não há acordo!”. E o jornalista não reagiu!
Quanto ao comentário, certeiro, de Kissinger sobre a responsabilização suposta num Pacto, basta olhar para o que se passa no dia a dia com o Governo Português e na maioria que o apoia. Não sei se o espírito desse acordo foi ou não o mesmo que Kissinger atribuiu ao Pacto de Paris, mas, se não foi, parece.
E a tautologia de António Costa durante a própria negociação desse acordo só dá força a esta hipótese. A política, diz-se, é numa atividade nobre. É-o, se não cair na politiquice, na defesa de interesses pessoais ou de grupo. É que, finalmente, a verdadeira política é uma atividade demasiado séria para ser deixada só aos políticos.
Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito de acordo com a nova ortografia