Portugal registava 17 casos de sarampo, até ao dia 16 de Março, todos importados, segundo a informação epidemiológica da Direcção-Geral da Saúde. Na região de Leiria não há notificação de situações de sarampo confirmadas, o que não significa que os casos não possam aparecer.
A grande mobilidade das populações aumenta seriamente o risco de aparecimento de doenças que estão eliminadas no País, como sucedeu com os surtos de sarampo de 2017 e 2018. A vacinação é a chave mestra para a protecção da população e a barreira à entrada de vírus e bactérias, que acabam por desaparecer quando esbarram na imunidade de grupo.
Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, salienta que a “cadeia de transmissão actual tem origem no estrangeiro, onde as taxas de cobertura vacinal são deficitárias”. “Em Inglaterra, por exemplo, ainda recentemente se registou um surto numa das suas regiões. Com a mobilidade é normal que as pessoas possam trazer doenças e todos os anos temos tido casos de sarampo importado. A situação epidemiológica portuguesa não tem casos autóctones”, revela o especialista.
Ana Silva, médica da equipa coordenadora da vacinação da Unidade Local de Saúde da Região de Leiria, acrescenta que o “sarampo é das doenças com uma maior taxa de infecciosidade”. “A probabilidade de contágio é muito elevada. Por isso, é desejável que 95% da população esteja vacinada para impedir o contágio entre as pessoas e a propagação da doença”, alerta.
Na região, em 2023, a taxa de cobertura da vacina contra o sarampo (que inclui a rubéola e papeira) era de 99,24% em crianças vacinadas aos 2 anos e de 97,53%, aos 5 anos, ultrapassando os desejados 95% que garantem a imunidade de grupo.
Cenário idêntico verifica-se no cumprimento do Programa Nacional de Vacinação (PNV) na região, que tem apresentado taxas superiores às metas preconizadas pela Administração Regional de Saúde do Centro.
Aliás, a região não tem casos de sarampo há mais de dez anos, assume Ana Silva, lembrando o surto de papeira que surgiu no Colégio D. Dinis, em Amor, em 1995, e que contribuiu para Portugal ajustar os serotipos do vírus da papeira, já que se tinham verificado mutações.
A especialista em Saúde Pública adverte, contudo, para que não se baixe os braços de modo a que Portugal possa continuar a figurar entre os melhores países da Europa em relação à vacinação. “Criou-se um mito entre algumas pessoas que questionam a razão de se continuar a vacinar para o sarampo, se a doença já não existe. Isto revela falta de informação, porque se virmos os números do sarampo na Europa, no ano passado, aumentaram 79%. Em 2023 registaram-se mais de 306 mil novos casos no mundo face ao ano anterior”, reforça Ana Silva.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu, em Dezembro, que “mais de metade dos países no mundo se consideram em risco para o sarampo”. “Por ser uma doença que não aparece as pessoas pensam que ela desapareceu, mas não está erradicada. Se as taxas de cobertura vacinal baixarem dos 95% vamos ter problemas”, insiste a especialista.
Investigadora no Politécnico de Leiria e médica interna de Medicina Geral e Familiar, Sónia Gonçalves Pereira destaca a importância da imunidade de grupo e exemplifica: “Quando nascem, os recém-nascidos estão protegidos, porque os seus familiares estão vacinados. Se os agentes infecciosos aparecerem, os adultos não são veículos transmissores.”
O mesmo se passa nas escolas ou em espaços com aglomerados de pessoas. A taxa elevada de vacinação em Portugal protege o grupo. “Se a vacinação começar a falhar, a transmissão passa a ser possível”, constata Sónia Gonçalves Pereira, que critica os movimentos anti-vacinas, lembrando que as vacinas são o medicamento mais seguro em todo o mundo. “Já se pensou no número de pessoas que são vacinadas? São muitas mais do que aquelas que tomam, por exemplo, paracetamol. Claro que, como qualquer outro medicamento, podem surgir efeitos adversos”, frisa.
Sónia Gonçalves Pereira aponta ainda que a vacinação vai além da protecção individual de cada um. “Os movimentos anti-vacinas são egoístas. Se ninguém se vacinasse não haveria a protecção de grupo. Todos temos de cumprir a nossa parte. Se falharmos, vão aparecer surtos de sarampo e de outras doenças infecciosas que já não circulam entre nós. A Covid-19 ensinou-nos isso”, nota a investigadora.
As recusas de vacinação na região são ainda uma excepção, apesar de se verificar um ténue aumento nos últimos tempos. “A taxa de recusa será inferior a duas crianças em cada 1.000”, afirma Ana Silva, referindo que, em muitos casos, a situação acontece por desconhecimento dos pais.
Os números
0
casos de sarampo, rubéola ou
papeira nos últimos anos. As
situações de suspeita de doença
relacionada com vírus da
papeira, não se confirmaram em
análises laboratoriais
99,24%
vacina contra o sarampo (que
inclui a rubéola e papeira) era de
99,24% em crianças vacinadas
aos 2 anos, nos concelhos da
região de Leiria
“Por exemplo, há quem solicite apenas a vacina do sarampo, quando em Portugal e na maioria dos países só é administrada a vacina tripla VASPR, contra sarampo, parotidite epidémica e rubéola”, explica.
Gustavo Tato Borges acrescenta que os movimentos anti-vacinas “ainda são diminutos e não têm expressão prática” em Portugal. “No aparecimento da vacina da Covid-19, com uma tecnologia desconhecida, verificou-se alguma recusa. Mas, as vacinas que damos às nossas crianças do Programa Nacional de Vacinação são aceites e têm uma taxa muito elevada”, informa.
Segundo o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, o trabalho que tem sido desenvolvido em Portugal tem de continuar, mostrando o “risco da não vacinação e as mais-valias de estar vacinado”.
“Apesar de uma doença não ter expressão em Portugal há os movimentos migratórios de viagens”, realça.
Atentos a este fenómeno de circulação entre territórios, as equipa de enfermagem da região de Leiria têm desenvolvido um trabalho árduo em chegar a todos os imigrantes, para garantir que também eles possam ser vacinados e, assim, contribuir para a imunidade de grupo.
Sem dados sobre a taxa de vacinação dos imigrantes que estão na região, Ana Silva admite que a população estrangeira é uma preocupação, pelo que os “profissionais de enfermagem têm sido excepcionais com um trabalho ultra-dedicado à procura das bolsas susceptíveis”.
Muitos não têm médico de família, pelo que os enfermeiros chegam a estes cidadãos sempre que eles surgem nos cuidados de saúde primários por alguma razão. “Pegamos nos seus cartões de vacina e é necessário fazer a tradução correcta da nomenclatura das vacinas e introduzi-las na nossa plataforma. Isto exige bastante trabalho. Por exemplo, a vacina pentavalente do Brasil abrange umas doenças e em Portugal abrange outras, daí a importância do rigor na transcrição”, assegura a coordenadora da vacinação.
A população brasileira – em maioria – está minimamente bem vacinada. “Precisam de ajustes ou actualizações. Os ucranianos vêm com maior défice de vacinação”, precisou Ana Silva, realçando a importância de vacinar todos, para se evitar o risco de crianças estrangeiras chegarem infectadas ou contactarem com familiares que possam trazer determinados vírus e causarem focos de infecção nas escolas.
PNV dos mais completos do mundo
O PNV português é dos mais completos do mundo e Portugal um dos países com maior taxa de cobertura vacinal. Ana Silva revela que em congressos da especialidade, é comum os médicos portugueses serem reconhecidos pelo trabalho que é desenvolvido no País. Não obstante, não é possível retirar vacinas do PNV enquanto as doenças não estiverem erradicadas no mundo. Neste momento, apenas a varíola desapareceu por completo, em 1980.
Sónia Gonçalves Pereira explica que o vírus apenas se encontra em dois laboratórios de alta segurança, onde está guardado para o caso de um dia ser necessário estudá- lo por alguma estirpe que surja.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a poliomielite foi eliminada na região europeia em 2002 e, actualmente, apenas dois países do mundo têm cadeias de contágio activas – o que torna a erradicação global desta doença um objectivo cada vez mais próximo.
Enquanto não estiver garantida a sua erradicação total, em Portugal, a vacinação contra a poliomielite continua a realizar-se. O mesmo sucede com todas as outras doenças que podem já não circular em Portugal, mas que continuam a existir em vários pontos do globo. Basta um indivíduo infectado para criar uma nova cadeia de contágio.
Seis casos de tosse convulsa na região
A vacina contra a tosse convulsa – que inclui tétano e difteria – tem uma taxa de administração a rondar os 99%.
Surpreendentemente estão a aparecer casos em Portugal e na área da Unidade Local de Saúde (ULS) da Região de Leiria. Depois de vários anos sem registo da doença, desde Janeiro estão confirmados seis casos: dois em Leiria, dois em Ourém, um na Marinha Grande e outro em Pombal.
“A introdução da vacina nas grávidas, quase tinha terminado com a tosse convulsa nas crianças pequeninas. Agora, surgiram estes casos em crianças vacinadas e com pais muito cuidadosos e responsáveis, de acordo com os inquéritos epidemiológicos”, revela Ana Silva.
A coordenadora da equipa de vacinação da ULS lembra que o último caso na região datava de 2014 e surgiu numa criança cuja mãe recusou a vacinação na gravidez.
“Estamos a pedir que se façam estudos dos serotipos da bordetella pertussis [bactéria que causa a tosse convulsa], pois coloca-se a hipótese de poder haver alguma mutação da variante”, explica a especialista.
Se a investigação laboratorial concluir que o serogrupo da vacina sofreu mutação, a vacina terá de ser modificada para combater o novo serotipo, à semelhança do que sucedeu com o vírus da papeira e com os agentes infecciosos da gripe e da Covid-10, cujas vacinas todos os anos são ajustadas à nova estirpe que circula entre a população.
Também a vacina que protege do meningococo C poderá vir a ser ajustada nos próximos tempos. Ana Silva explica que o Programa Nacional de Vacinação incluiu a imunização para o serogrupo da bactéria mais comum em Portugal.
No entanto, os movimentos migratórios, com as viagens de crianças para outros países e a entrada de imigrantes em Portugal, podem fazer circular outras estirpes que provocam a meningite, uma doença que inflama as meninges cerebrais e pode ser fatal.
“A curto prazo, a Direcção-Geral da Saúde vai ter de rever e aplicar uma vacina que inclua os serotipos A, C, W135 e Y.” Os últimos dois casos de meningite registados na região foram provocados pelos serotipos W e Y.
BCG não protege contra tuberculose