Introduzido na Austrália em 1936 para combater um escaravelho, o sapo cururu apanhou-se sem predadores e está a invadir o território australiano, dizimando outras espécies com o seu veneno tóxico, sendo uma ameaça à diversidade da fauna australiana. Joguei muito futebol em miúdo, mas nunca aderi ao fascínio clubístico. Peço desculpa.
Consigo admirar a beleza de um jogo bem jogado, bem como a portentosa e magnífica “arte” de jogadores como o Cristiano Ronaldo, e dou pulos de entusiasmo quando a nossa seleção marca golo e ganha. Mas pouco mais…
A sociologia já tem o fenómeno bem estudado. A filiação a clubes dá sentido de pertença e identidade e o fenómeno do desporto de massas ajuda a diluir tensões sociais e agressividades, como um escape. O que é bom. E é por isso que quando vejo a violência entre claques fico descansado ao pensar que ao menos lá, nos clubes, “eles” estão entretidos.
“Eles”, os elementos de algumas claques, cujas ligações às ideologias neonazis são cada vez mais pressentidas. O futebol tem, apesar de tudo, outro lado positivo: o de igualizar culturalmente os seus agentes e os seus adeptos.
A opinião do médico, do jurista ou do engenheiro, [LER_MAIS] ou do economista, vale tanto e está ao mesmo nível da do operário fabril, do trabalhador rural, do empregado de mesa, do funcionário público, do artista. Os argumentos são os mesmos, as visões – racionais ou irracionais – semellhantes.
É o exercício democrático do direito de opinião ao mesmo nível, embora, lamentavelmente, a maioria das vezes, ao mais baixo nível. Impressiona-ne a dimensão do fenómeno clubístico no nosso país.
Como professor vejo-o com uma crescente preocupação, de reflexão urgente. Porque tem sido dado tempo mediático sem paralelo a um desporto e aos seus dirigentes que, numa situação normal, alguma vez teriam oportunidade de um minuto, sequer, no púlpito mediático.
Muitos deles incultos, bojeços, “chicos espertos”, de um primarismo intelectual confrangedor, têm mais visibilidade quanto mais a sua intervenção for arrivista, desafiadora, maldizente e anedótica. E os comentadores desportivos, quanto mais boçais, histriónicos, radicais, melhor!
Horas, dias, semanas inteiras de emissões, em horário nobre, em que falam literalmente de nada vezes nada. Pura alienação!
É por isso que eu receio que em Portugal, por via do futebol, possa verificar-se o fenómeno de “argentinização”, com a complacência de todos nós e a cumplicidade de diretores de programas e jornalistas.
Na Argentina, como em outros países, as claques, que começaram por controlar os clubes, tornaram-se mafias poderosíssimas e controlam agora, também, os governos. E tudo começou por uma relação demasiado promíscua entre política, futebol, comunicação social e negócios, transversal ao poder central e ao poder local.
O nosso “futebol” corre o risco de asfixiar a nossa cultura e o que ela tem de diverso e enriquecedor. Porque coloniza emoções e monopiliza tempo e recursos essenciais. Aliena os jovens, opacifica e enfraquece a dimensão cívica, retira tempo fundamental à promoção da cultura.
Dá maus exemplos e deseduca. O nosso “futebol” é como o sapo cururu: é tóxico e ocupa cada vez mais espaço.
*Professor