Avançamos por uma estrada de terra batida rodeada de estufas até chegar ao edifício onde está instalada a fábrica. O plástico tomou literalmente conta da paisagem nesta zona do concelho de Peniche, a meio caminho entre o centro de Atouguia da Baleia e a praia de Supertubos, precisamente o local onde aqueles que aproveitam as ondas para momentos únicos de diversão se deliciam ao utilizar as pranchas de que vos vamos falar.
Instalados num barracão antigo alugado e pintado de azul e branco onde só passa quem quer mesmo lá passar, é ali que Gato e Barrela fazem, há década e meia, um tipo de “artesanato” muito específico.
Eles dedicam-se diariamente à construção manual de pranchas personalizadas de bodyboard. Lá dentro, onde fazem magia, as máquinas foram todas criadas por eles.
[LER_MAIS]Apesar de a matéria-prima ser, toda ela, originária da Ásia, tudo é feito à mão e à medida de quem quer comprar. É precisamente nesse “serviço custom” que a Refresh Boards faz a diferença. Tanta, que a trabalhar como eles, no mundo, já só “há mais quatro ou cinco”.
Na Europa, então, são “únicos”, explica, orgulhoso, Carlos Fernandes, conhecido por Gato. Há nos Estados Unidos, no Brasil, África do Sul e Austrália. “Agora, apareceu um rapaz no Havai com um método de trabalho igual ao meu: tudo à mão.”
Talvez por isso, a procura seja tão grande. Anualmente, fazem entre “500 e 600 tábuas”, que são transaccionadas para os quatro cantos do planeta. “Ainda agora vendi duas para Hong Kong”, atira.
A fama é já internacional, mas começou no “passa-a-palavra. “Como já fazia pranchas as pessoas conheciam- me e depois o meu sócio também é muito conhecido porque é um bom atleta.”
Faltar à escola
Um é de Peniche, o outro de Atouguia da Baleia, pelo que não surpreende o facto de desde muito cedo se terem dedicado às ondas. Quando Nuno Pereira, o Barrela, foi estudar para a escola da sede de concelho, acabou por entrar no grupo de Gato. Entre muitas ondas, muita diversão e muita cumplicidade, surgiu o sonho comum de ter uma fábrica de pranchas de bodyboard.
Por ir para a praia diariamente e pensar mais em tubos do que em equações matemáticas, Gato acabou por chumbar por faltas. Assim, aos 17 anos foi para a tropa e aos 20 começou a trabalhar no melhor sítio que poderia conceber, coincidência das coincidências, numa fábrica de pranchas de bodyboard. Por isso, o acumular de experiências e saberes já dura há 26 longos anos.
Mas há coisa de década e meia, a empresa onde trabalhava começou a tomar decisões que entendeu serem obsoletas e os amigos decidiram que era altura, então, de avançar de vez com aquele projecto que tinham na gaveta. Em 2007 arranca então a Refresh Boards, só que as pranchas apenas começaram a ser produzidas em 2008, recorda Carlos Fernandes.
Amigos do bairro
“Demorámos um ano a preparar o armazém, que estava arrombado. As máquinas – que ainda são basicamente as mesmas – fomos nós que fizemos, porque não se encontram no mercado. Outras tiveram de ser alteradas com a minha experiência. Estivemos dia e noite, durante um ano, a trabalhar para abrir. Nós, mais um serralheiro, um torneiro mecânico e dois soldadores, meus amigos, do meu bairro.” Uma prancha, explica Gato, “é como um carro”. “Há a base e depois começa- se a pôr extras e a ficar mais caro.”
É isso que define o preço final do produto, que pode oscilar entre os 150 e os 550 euros. É “impossível” seguir os preços praticados pelas empresas asiáticas, pelo que a aposta só pode mesmo ser na qualidade. Ainda por cima, entende Barrela, que aprendeu “tudo” com o amigo, fazer uma prancha personalizada é fundamental para se poder tirar o máximo de prazer possível de cada vez que se faz às ondas. E isso não tem que ver com as medidas do atletas, mas com a forma como cada um gosta de surfar. “É como com as namoradas. Há quem goste delas mais altas ou mais baixas, mais magras ou mais gordas. Porquê? Ninguém sabe.”