A mãe faz anos no domingo. Como é, cada um compra uma coisa ou compramos uma coisa por todos? – Era melhor uma prenda só. Uma coisa melhor e que lhe desse jeito. – Opinou a irmã do meio.
E o irmão mais novo: Também acho. Uma coisa qualquer que a velhota use. – Não trates assim a mãe! Não gosto nada que lhe chames velhota. – E ela a pensar que já era mãe também e tinha medo que os filhos quando fossem espigadotes a tratassem assim.
– Respeito, menino! É a tua mãe. – Repreendeu o mais velho dos irmãos, que gostava do respeito e gostava de ser respeitado. – Sim, senhor engenheiro! – Ripostou o mais novo. – E tu só não és engenheiro ou outra coisa qualquer porque preferes andar sempre colado às saias da tua namorada, em vez de acabares o curso.
– Trato das coisas dela para que tenha tempo de criar. Não lhe ando colado às saias. – Coisas dela? Mas quais coisas? Borrar umas telas, isso é trabalho? – Arte! Já ouviste falar? Ou lá na empresa só têm gráficos nas paredes e na cabeça? – Inútil!
E a irmã do meio que não gostava nada de discussões e que tinha aprendido a meditar pela paz universal: Calem-se lá com isso. Vocês quando estão juntos parecem cão e gato. – O que há de ser?
A mãe tem tudo. E quando lhe damos uma coisa nova guarda-a para quando for preciso e acaba por não se servir de nada. – Constatou, com verdade, o irmão do meio.
– Um micro-ondas – Ideia brilhante da irmã que bem sabia do jeito que lhe dava para aquecer a comida que a empregada lhe deixava antes de sair ao fim da tarde.
Está decidido: um micro-ondas. – Decidiu o irmão engenheiro [LER_MAIS] que além de engenheiro estava habituado a tomar decisões.
No domingo seguinte foram almoçar fora com a mãe num restaurante afastado e discreto porque a mãe ainda não tinha ainda perdido aquele hábito, memória dos tempos em que eram pobres, de colocar pedacinhos de pão na sopa para engrossar.
Voltaram a casa da mãe para lhe cantar os parabéns e depois foram buscar um embrulho muito grande com um muito grande laço amarelo. Lá de dentro uma coisa que a mãe não conhecia e que se ligava à tomada e por magia fazia o prato andar à roda e o que entrava frio saía quente.
A mãe ficou abismada e disse: – Que diacho! Inventam cada coisa! – Maravilhou-se e voltou a perguntar: – E onde chego com o fósforo para acender o lume? – receosa da máquina que tocava uma campainha.
Depois mais afoita quando experimentou com uma caneca para fazer chá e entendeu e repetiu, e voltou a repetir e outra vez ainda a ladainha que os filhos a obrigaram a fixar: – Nunca, mas nunca, se põe lá dentro nada de metal!
Os filhos foram-se embora às suas vidas. Ela com uma caneca de chá na mão e outras três a ferver que os seus meninos não quiseram provar da cidreira fresca e estavam com pressa de afazeres.
A mãe alisou o papel de embrulho, tão jeitoso para forrar gavetas, e enrolou a fita amarela com mil cuidados. Nem sabia que havia fitas tão bonitas e tão largas. Aconchegou-a no bolso do casaquinho.
Foi à gaveta da cómoda buscar uma fotografia antiga onde se viam os três filhos. E com uma tesourinha cortou e separou os filhos no papel. Cada filho em cada caneca fumegante que voltou a colocar no micro-ondas sem esquecer a colherinha lá dentro. E foi-se dali mostrar ao casal vizinho a fita tão bonita e amarela que os filhos lhe tinham dado.
*Psicólogo clínico