“Ser dirigente desportivo dá gozo. É uma realização pessoal muito importante”. É de forma simples e rápida que Célia Afra, actual presidente da Assembleia Geral da Juventude Desportiva do Lis, classifica o papel dos responsáveis pelos órgãos sociais de qualquer clube.
Com uma vida ligada à instituição – é a sócia n.º1 da Juventude Desportiva do Lis – é com tristeza que vê o esvaziar das cadeiras directivas, tanto no clube do coração, como em outras organizações do distrito.
“As dificuldades são tantas na organização dos clubes, seja nos recursos humanos, seja em questões financeiras, que faz com que as pessoas se retraiam e não queiram fazer parte destas equipas”, considera a dirigente.
O último mandato da Juve terminou em Abril e a direcção, liderada por Joaquim Santos, não quis recandidatar-se. Tal como mandam os estatutos do clube, foi convocada uma Assembleia Geral com o objectivo de eleger um novo corpo directivo.
À primeira tentativa, nenhuma lista surgiu para ocupar os lugares vazios. O mesmo aconteceu na segunda Assembleia Geral. Sem “pessoas suficientes para constituir uma lista”, um grupo de sócios decidiu gerir o clube através de uma comissão administrativa.
Liderada por André Afra, esta comissão não tem funções atribuídas e cinje-se à gestão do “imediato”. “Até se conseguir uma solução mais duradoura”, assume a também ex-presidente da Juve, mãe do actual responsável.
Não se pense que ser presidente ou ter qualquer outro cargo na direcção de um clube serve só para ter um lugar à mesa das decisões. Soma-se a responsabilidade por centenas de atletas, a gestão dos recursos financeiros, deslocações para jogos, pagamentos de despesas, manutenção de instalações, entre outras.
A lista de funções é infindável e Célia Afra admite que “está muito caro fazer desporto colectivo”.
Tudo se resume a uma acção: “Dar”. “As pessoas dão o seu tempo e depois têm muita dificuldade em encontrar soluções, principalmente financeiras.”
A dirigente ainda lembra outro fenómeno que acredita estar na origem desta “crise directiva” que tantas organizações ultrapassam. “Penso que isto é o pós-Covid, em que as pessoas isolaram-se muito”, reflete, ao acrescentar que “com o passar do tempo, vão perceber que a socialização é muito importante”.
Apesar deste vazio directivo que a Juve ultrapassa, Célia Afra acredita no aparecimento de uma lista que renove os órgãos sociais, com origem também na comissão administrativa que agora gere os assuntos do dia-a-dia.
“Uma associação desportiva só pode ter sucesso se trabalhar em grupo”, salienta.
Oito meses sem direcção
Por seu turno, há quem tenha resolvido a crise directiva. Um dos casos mais recentes e gravosos aconteceu com a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Marinha Grande. Depois de oito meses sem qualquer lista candidata, em Fevereiro último os sócios elegeram a nova direcção, com um presidente repetente.
Carlos Carvalho foi presidente da Associação Humanitária antes da direcção que se demitiu em bloco em Junho de 2023, uma semana depois das demissões do comandante e do 2.º comandante.
Assembleia Geral atrás de Assembleia Geral, ninguém quis assumir as rédeas dos órgãos sociais.
O hiato prolongou-se até Fevereiro de 2024, quando Carlos Carvalho resolveu voltar a abraçar esta causa.
“A solução para qualquer associação passa sempre pela direcção anterior. Tem de preparar e convidar”, crê o novo presidente, ao recordar que, quando saiu, deixou “uma lista preparada para concorrer”.
Na óptica de Carlos Carvalho, os sócios “são actualmente elementos muito afastados dos órgãos sociais” e vice-versa, atribuindo também as crises directivas a esta ruptura relacional. “Há 20 ou 30 anos, o sócio ia todos os dias à sede, discutia os assuntos do clube e havia uma ligação muito próxima”, lembra o dirigente.
Ao abordar o associativismo na Marinha Grande, Carlos Carvalho é da opinião de que alguns clubes deveriam mesmo fechar portas. “A Marinha Grande tem oitenta e tal associações. Algumas só abrem para fazer a festa de aniversário e pouco mais. Cada localzinho tinha o seu clube, que servia muito para ver televisão. Agora, a ideia de que determinado clube era necessário desapareceu.”
Quando se tenta atribuir culpas, o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros da Marinha Grande recusa falar nos jovens, já que lidam com a dificuldade de procurar “estabilidade profissional”.
“Hoje em dia, quando é que as pessoas estão disponíveis para o associativismo? É aos quarenta, quando os próprios filhos também se interessam”, constata.
Aos 60 anos, Carlos Carvalho admite que ainda se sente “bastante à vontade” para desempenhar o papel de presidente de uma direcção e nenhum dos restantes colegas tem menos de 40 anos.
No mundo do associativismo, o responsável defende que “a ideia de jovem deve transportar-se mais para esta idade”.
“Temos de reinventar o associativismo”.
Estudo sociológico
Mário Oliveira também partilha da opinião do colega dirigente. Há cerca de nove anos assumiu a presidência da Oikos – Associação de Defesa do Ambiente e do Património da Região de Leiria. Contudo, foi em 1996 que entrou para os corpos sociais da entidade ambiental.
“Há muito cabelo branco e muita falta de cabelo nas associações”, brinca, ao referir-se às idades do restante corpo directivo.
Reconhece que é “um privilégio trabalhar para a comunidade e a favor do ambiente”, mantendo a “motivação” para dirigir a instituição, mas desta vez quis deixar passar uma Assembleia Geral para dar lugar a novos dirigentes.
“Deixámos propositadamente passar um período eleitoral sem nos apresentarmos, para permitir que outras pessoas apresentassem lista”, referiu. “Obviamente, ninguém apresentou lista.”
“Se calhar, estamos ultrapassados”, coloca em hipótese, ao afirmar que os jovens já “não vão pelo caminho associativo normal”.
“Pode haver erros próprios que passam por má comunicação, estratégias de relacionamento intergeracional que podem não estar a funcionar, ou pode haver uma tão grande diversidade de interesses por parte das gerações mais novas que os leva a tomar outras opções”, equaciona ainda.
Uma coisa é certa: generalizações não devem ser utilizadas para atribuir causas à falta de voluntários, já que “há jovens completamente desinteressados como também há idosos”.
Mário Oliveira admite até que o assunto “carecia de um estudo sociológico mais aprofundado”, que ajude a compreender as causas por detrás do vazio directivo.
AMIGrante encerrou portas
No final do ano passado, e já com 20 anos de actividade, a AMIGrante – Associação de Apoio ao Cidadão Migrante fechou portas. Os cargos nos órgãos sociais rodavam entre as mesmas pessoas e Paulo Carreira foi ‘empurrado’ a assumir o lugar de presidente em 2014. Pelo bem da associação, “teve de ser”.
Neste caso, a decisão de extinguir a associação tornou-se mais fácil de tomar, tendo em conta que as entidades públicas também já assumiam grande parte do apoio dado pela AMIGrante a imigrantes recém-chegados a Leiria.
“As pessoas vão ficando mais velhas, têm outros interesses, passam para outras associações, perdem a disponibilidade”, enumerou o antigo presidente.
Um dos grandes entraves à formação de listas candidatas, aponta, é a lei. “A lei obriga a que haja nove elementos. Três na Assembleia Geral, três na direcção e três no Conselho Fiscal. É logo muita gente. Há associações que têm dificuldade em organizar-se.”
Estar à frente de uma colectividade “é como gerir uma empresa” e as dificuldades estão sempre inerentes ao trabalho.
No entanto, o antigo dirigente lembra que os municípios disponibilizam um banco de voluntários, onde as associações podem recorrer cada vez que necessitam de recursos humanos.