Depois de cinco anos de “persistência” e “insistência”, está lançado o projecto para a criação de grilos no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens (antiga prisão-escola). A unidade de produção, a primeira do País, foi inaugurada esta quarta-feira, dia em que a cadeia assinalou o seu 76.º aniversário e em que foram assinados protocolos com três empresas da região, que irão dar trabalhos a executar pelos reclusos.
Financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que entrou com 100 mil dos 155 mil euros investidos, a unidade de produção de grilos visa, por um lado, promover a reintegração dos jovens reclusos, e, por outro, a sustentabilidade ambiental.
“A FAO [Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas] aponta a produção de insectos para alimentação humana como uma tendência para as próximas décadas, devido ao impacto muito menor que tem no ambiente”, salienta Tiago Leitão, presidente da Aproximar, cooperativa de solidariedade social que trabalha na reintegração de reclusos através de actividades de capacitação social.
Neste caso, a par do trabalho na unidade de produção de grilos, os 16 reclusos envolvidos no projecto estão a ter formação em áreas como cidadania, empregabilidade, empreendedorismo, gestão de conflitos e de orçamento familiar. Quando saírem em liberdade, beneficiarão de um programa de mentoria, que prevê, por exemplo, apoio psicossocial e na procura de emprego. Haverá ainda “bolsas de formação”, a financiar pelas receitas provenientes da venda dos grilos, acrescenta Tiago Leitão.
Projecto “inovador”
A componente social é um dos aspectos do projecto destacados pela directora do EPLJ. “Visa criar melhores condições aos jovens que estão a cumprir a sua pena”, realça Joana Patuleia, que enaltece o envolvimento dos parceiros externos, a Aproximar e a The Cricket Farming Co, startup sediada em Leiria que está a dar os primeiros passos na produção de farinha a partir de grilos.
“Este é o caminho a seguir”, afirma o director-geral da Reinserção e Serviços Prisionais. Em declarações aos jornalistas à margem da inauguração da unidade, Rui Abrunhosa Gonçalves, sublinhou o carácter “inovador” do projecto e o “exemplo” que o EPLJ tem dado com o envolvimento de entidades externas em iniciativas que ajudam a dar mais ferramentas aos jovens para que “não regressem à prisão”.
“Aqui há mais potencialidades por causa da própria estrutura da cadeia [em pavilhão]. É um exemplo que deve ser seguido dentro das possibilidades que os estabelecimentos têm. Olhem para os recursos e vejam o que podem fazer”, afirmou Rui Abrunhosa Gonçalves, que fez a sua segunda visita ao EPLJ desde que tomou posse, em Agosto do ano passado.
Até 70 quilos de grilos por dia
A unidade de criação de grilos do EPLJ começou a ser idealizada há cinco anos e teve de ultrapassar vários obstáculos, entre os quais a falta de “enquadramento legal” para o licenciamento tipo de unidades, lacuna entretanto ultrapassada.
“Estas são as primeiras instalações em Portugal licenciadas para a produção de grilos para alimentação humana “, adianta José Gonçalves, CEO da The Cricket Farming Co.
Segundo Gonçalo João Costa, biólogo e fundador da empresa, quando estiver a funcionar em pleno, a unidade terá capacidade para produzir 70 quilos de grilos por dia, ou seja, perto de 25 toneladas por ano.
A alimentação dos insectos é feita à base de “sub-produtos de vegetais descartados e de fruta não comercializada, dada inteira ou processada em pasta”. O ciclo de reprodução dos grilos varia entre “40 a 50 dias, desde o ovo até à fase adulta” e cada fêmea “mete 200 ovos”, explica Gonçalo Costa, que é também “explorador” da National Geographic.
Empresas dão trabalho a reclusos
À margem da inauguração da unidade, foram assinados protocolos com três empresas da região: Labuta, Brindicis e Plastdiversity. Os acordos prevêem que os reclusos façam trabalhos de corte de peças para chinelos, colagem de etiquetas e encaixe de brindes e montagem de ratoeiras.
“Mais do que a procura de mão-de-obra ou o estabelecimento de um protocolo, pretendemos ser parte activa no projecto de inserção e de perspectivar de uma vida futura a estes jovens”, afirmou Pedro Olaio, representante da Labuta.
Além de destacar a oportunidade que as empresas estão a dar aos reclusos para adquirirem novas ferramentas, o vereador Carlos Palheira enalteceu a “audácia” do estabelecimento prisional, por “estabelecer estas parcerias”.