Todas as semanas o problema repete-se. São tantos e tantos jogos de futebol, sobretudo dos escalões mais novos, que se desenrolam sem árbitros presentes, substituídos por um dos treinadores ou por alguém, mais graduado, que salta da bancada e pega no apito.
Os miúdos benjamins, traquinas e petizes raramente vêem nos seus jogos a figura a quem, para o resto da carreira, deverão sempre respeito máximo, mesmo quando não concordarem com as decisões. E assim se vai formando o jogador português.
A dificuldade, uma das maiores com que a Associação de Futebol de Leiria tem de lidar, já existia antes da pandemia, mas agudizou-se com o regresso em força das competições. O problema é que não se consegue fazer face ao crescente número de solicitações.
Ao contrário do que era previsível, o número de equipas aumentou para 830 e de jogadores inscritos cresceu para mais de 11 mil. Logo, a quantidade de jogos também é maior, um fenómeno que não foi acompanhado pelo de árbitros, que recuou. Para Manuel Nunes, presidente da instituição, é a “própria verdade desportiva em jogo”.
“Temos um grande problema em mãos. Há um desalinhamento entre a vontade de jogar futebol e o número de árbitros disponíveis”, admite o dirigente.
“Para mais jogos deveria haver mais juízes, mas não há. Assim, temos alguns que fazem cinco jogos por fim-de-semana. De forma brejeira, é uma tareia. Começam à sexta-feira à noite e só acabam ao domingo à tarde, com deslocações grandes entre os jogos. Esta sobrecarga, em detrimento do tempo que deveriam dispor para o agregado familiar, acaba por deixá-los exaustos. Ainda por cima, aqueles com 17 e 18 anos, estão em trânsito para o ensino superior, o que dificulta de conciliar com estes rigores ao fim-de-semana.”
Manuel Nunes considera que são precisos mais 50 árbitros no distrito de Leiria para resolver o problema.
“Ainda agora fizemos um curso, mas teve pouca adesão, inscreveram-se 40 e só apareceram 15. Vamos ter de avançar com outro imediatamente. Os clubes, parte interessada, também não apresentam candidatos aos nossos cursos apesar de darmos financiamento a quem os indica. Se todos apresentassem um, mesmo que depois só ficasse metade, já seria fantástico.”
Aponta, por outro lado, o dedo ao programa Reactivar Desporto, do Instituto Português do Desporto e da Juventude, que “previa auxílios para a recuperação de equipas e atletas” no pós-pandemia “e muito bem”, mas nada destinou ao sector da arbitragem.
Entende também que, dada a pouca resposta às campanhas locais, a Federação Portuguesa de Futebol deveria assumir a liderança nas campanhas de marketing para tornar a actividade mais apetecível, dado que a carência é “transversal ao País”. Ainda por cima, “quando tem falta” recorre aos juízes das associações distritais para dirigirem as partidas dos campeonatos nacionais, “por vezes 20 árbitros por semana”.
Mas o maior dificuldade está na “inibição” que existe em alguém querer ser árbitro. “Até devia ser atractivo, por um árbitro ser, hoje em dia, um verdadeiro atleta”, sublinha o dirigente. “Só que as pessoas já não estão disponíveis para ouvir os comentários grosseiros e despropositados vindos da bancada. Muitas vezes dizemos que se querem ter futebol têm de proteger os árbitros para permitir que os jogos realmente se façam.”
[LER_MAIS]Curiosamente, garante Luciano Gonçalves, esse tipo de atitudes vindas da bancada têm diminuído desde 2016. Segundo o presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, “há uma mudança de comportamento pela positiva”. “Quase todos os fins-de-semana assistimos a exemplos de fair play fantástico, mas são os casos negativos com espaço na comunicação social.”
A “não valorização do papel do árbitro”, que continua a ser visto “como um mal necessário”, é, no entender deste responsável, o principal motivo para a quebra do número de juízes. “Basta perceber que na reabertura depois da pandemia houve preocupação com todos os intervenientes, houve dinheiro para recuperar, mas dos árbitros ninguém se lembrou.”
Este é, segundo Luciano Gonçalves, o motivo para a redução, na casa dos 10%, no número de árbitros a nível nacional. “Quando mais precisavam ninguém se lembrou deles. Não havia jogos para arbitrar e tiveram de ir fazer outras coisas para ganhar algum dinheiro. Perceberam que a arbitragem não era assim tão importante.”
O dirigente fala daqueles que ganham “10 euros ao domingo de manhã, 50 por fim-de-semana e 200 por mês”, porque “os que ganham mais tiveram sempre jogos para fazer”.
O problema, garante, é transversal a todas as modalidades. A solução? “Fazer um grande recrutamento nas escolas e dar-lhes condições a todos os níveis. Hoje, preferem ter boas instalações de treino a um que um equipamento xpto.”