Na manhã de domingo, uma semana depois do incêndio que destruiu o Pinhal de Leiria, a estrada que liga Marinha Grande e a praia de São Pedro de Moel está ainda calma. Na ciclovia, as habituais caminhadas e passeios de bicicleta, de pessoas que, até há bem pouco tempo, se faziam acompanhar pela paisagem verde, pelo som dos passarinhos e pelo cheiro a natureza. Agora, reina o silêncio, a cor monocórdica e o cheiro a incêndio, já suavizado pela chuva.
Na viagem até São Pedro de Moel circulam alguns carros, lentamente, com passageiros a olhar a todo o seu redor. Depois de uma manhã relativamente calma, à tarde o trânsito intensifica-se. Todas as estradas do Pinhal de Leiria estão repletas de carros.
Na Estrada Atlântica, quase a chegar à Praia da Vieira, encontramos um casal de Tomar. Têm um alojamento no Parque de Campismo de Paredes de Vitória, Alcobaça, e vieram ver como estava. “Não ardeu, felizmente”, afirmam aliviados. “Agora vamos seguir por aí a cima, para ver como está a mata.”
Na Praia da Vieira, o trânsito está parado na estrada que vem do centro da vila. Na rotunda, todos seguem para a Estrada Atlântica. Uns para Norte, outros para Sul. Alguns dos que rumam a Norte param na Lagoa da Ervedeira. E aí, numa estrada onde dificilmente passam dois carros em simultâneo, o trânsito acumula. Enquanto uns tentam circular, outros procuram por um estacionamento para poderem sair do carro e ver mais de perto a destruição que o fogo causou.
[LER_MAIS] Curiosidade. Foi isso que aqui trouxe um casal da Guia, Pombal, que passeia no passadiço da Lagoa da Ervedeira, que resistiu ao fogo. “Passamos aqui várias vezes e quisemos vir ver como estava”, dizem. “É um horror, uma tristeza. Ainda só vimos uma pequena parte. Agora vamos continuar pela estrada, pela Praia do Pedrógão, Vieira… não sabemos o que para aí está.”
Sentados num banco de madeira junto à lagoa está uma família de Carvide, concelho de Leiria. Olham, com tristeza e em silêncio, para toda a envolvente da Lagoa da Ervedeira, antes um cenário verdejante e, agora, cinzento. “Viemos ver aquilo que tanta gente anda a ver, esta miséria. É muito triste, não há palavras.” E estão preocupados com o futuro do Pinhal de Leiria. “Precisamos muito da floresta e estamos a ficar sem nada. O que vão fazer desta mata?”
Também Eduardo Pereira, natural de Leiria mas a trabalhar em Lisboa, se deslocou ao Pinhal do Rei porque tinha curiosidade em ver como ficou depois da passagem do fogo. Veio com o irmão, que é bombeiro e esteve a combater as chamas na noite de domingo, dia 15, e que quis ver o estado em que se encontrava a mata de Leiria. O jovem descreve este cenário com angústia. “É um sítio triste, sem vida. Parece-me que o local onde passava muitos domingos, em criança, já não vai existir mais. Antes apetecia passear, para respirar aquele ar puro. Agora apetece evitar.”
Carlos Lopes Pires, psicólogo, considera que esta necessidade de ver a desgraça se prende com uma característica que é “humana e não só”: a curiosidade. “É o querer ver como estão as coisas, para guardar recordações e contar aos amigos e à família. É como quando há um acidente: o instinto é ir ver.” Por outro lado, acrescenta, a pessoa ganha “protagonismo”, porque esteve no local da tragédia.
“Turismo mórbido” dificultou acção dos bombeiros
No domingo ocorreram vários reacendimentos a Norte da praia das Pedras Negras, no concelho da Marinha Grande, perto das 18 horas. Segundo a página oficial da Autoridade Nacional de Protecção Civil, esteve mobilizado um meio aéreo e mais de 50 elementos dos bombeiros, apoiados por 20 viaturas.
A situação levou Paulo Vicente, que esta terça-feira deixou as funções de presidente da Câmara da Marinha Grande, a apelar às pessoas para não se dirigirem àquela zona, libertando as estradas das matas. “O turismo mórbido levou um inúmero de pessoas à zona dos incêndios o que dificultou e atrapalhou o trabalho dos bombeiros”, afirmou Paulo Vicente.
Segundo uma testemunha, alguns carros tiveram de subir os passeios para que os veículos dos bombeiros e da GNR pudessem passar, tal era a afluência de cidadãos na estrada. Através das redes sociais, Cidália Ferreira, nova presidente da autarquia, solicitou também aos curiosos que saíssem das matas por “questões de segurança” e para que os bombeiros pudessem “circular livremente”.