Brincar continua a ser importante e prazeroso para muitas mães de família e homens de barba rija. Os anos passam, mas, para eles, mantém-se a vontade de deixar os problemas mundanos e a rotina em suspenso, para desfrutar de bons momentos com um brinquedo, seja numa actividade individual ou num passatempo com amigos.
Construções de Lego, puzzles, carros telecomandados ou livros de colorir são alguns dos vícios destes crescidos, que os libertam do stress, estimulam a criatividade e ajudam a organizar o pensamento, ferramentas úteis que transportam para os desafios da vida profissional.
Hugo Pereira, da Marinha Grande, tem 45 anos e é gestor de projecto numa empresa de moldes. Pertence a uma geração onde os jogos de tabuleiro eram presença habitual nas casas de quase toda a criançada. Por isso, quando era miúdo, jogava muito. Recuperou o entusiasmo recentemente, por intermédio de um amigo, que lhe deu a conhecer uma multiplicidade de jogos de tabuleiro modernos. “O vício colou logo”, conta Hugo. “Há jogos sobre tudo e mais alguma coisa. Alguns são sobre como cometer crimes e enterrar cadáveres, outros ensinam a produzir cerveja, há deles sobre economia, estratégia… É uma indústria que envolve muitos milhões de euros. Basta pensar que [LER_MAIS]há jogos a custar mais de 100 euros”, salienta o gestor.
Hugo escolhe os jogos em função dos seus interesses e também das preferências dos amigos. Afinal, isto é coisa para se fazer em conjunto. Há quem goste de “jogos pesados”, que “podem levar mais de um dia a concluir”. Outros são mais adeptos de partidas de 15 ou 30 minutos. No seu caso, prefere os desafios mais comuns, com desfecho dentro de hora e meia a duas horas.
São partidas que estimulam a criatividade, a paciência, que ajudam a estruturar o pensamento e promovem o fair play. “Fico satisfeito, ganhe ou perca, se acreditar que fiz um bom jogo”, conta Hugo, que tem muitos adversários à altura.
“Jogo com comerciais, operários, médicos ou professores”, pessoas de vários contextos profissionais e sociais, “movidas pelo mesmo gosto”, realça o gestor. Encontra- -se frequentemente com o Boardgamers de Leiria, grupo da associação ***Asteriscos. Outras vezes, o ponto de encontro é a Biblioteca de Instrução Popular, em Vieira de Leiria.
Em casa, também já começou a estimular os filhos para partidas de jogos de tabuleiro, ajustados às idades de cada um. São iniciativas que os desprendem dos ecrãs e que lhes dão ferramentas úteis, que podem aplicar no seu dia-a-dia, frisa Hugo Pereira.
Mecânico de profissão, Manuel Matias, de 41 anos, é um apaixonado por carros telecomandados, em particular por Rc drift. Como quase todos os meninos, o mecânico de Leiria também teve alguns carrinhos telecomandados quando era miúdo. Mas a paixão renasceu em força quando, há cerca de cinco anos, teve conhecimento desta modalidade.
“Pilotados” à distância, os pequenos carros de Rc drift são preparados para se comportar como verdadeiros carros de drift, ainda que numa escala de 1:10. “Há quem os use para brincar e há quem leve a brincadeira mais a sério e participe em competições”, explica Manuel. No seu caso, o gosto evoluiu ao nível da competição e o mecânico tem hoje dois carros, onde já investiu quase dois mil euros, com os quais tem participado em diversas provas. Os carros têm de ser equipados ao nível electrónico, também ao nível de chassi, de forma a garantir leveza e resistência.
“Há carros de Rc drift, que os donos vão preparando, e que podem ficar em quase 3 mil euros”, observa o mecânico. Lisboa, Famalicão e São Jorge (Porto de Mós) acolhem as três pistas onde, em Portugal, os aficionados desta modalidade costumam competir, explica Manuel.
“É um passatempo que nos ajudar a distrair, seja enquanto montamos os carros, seja nos treinos ou nas provas”, partilha o mecânico.
Livros para colorir em todas as idades
No caso de Adélia Sousa, de 87 anos, os livros de colorir chegaram por intermédio da neta, Mariana Moreira, terapeuta de reabilitação psicomotora com experiência profissional junto da população mais idosa. “A minha avó é muito ansiosa e os livros de mandalas, para colorir, são uma forma de trabalhar a sua capacidade de se focar no presente e eliminar alguns mecanismos de stress”, justifica Mariana.
Estas pinturas são uma actividade lúdica, que cumpre várias funções, estimulam a criatividade, a capacidade de planeamento, concentração, memória do trabalho, enumera a especialista. Depois de concluídas, as mandalas podem ser recortadas, usadas para decorar a casa ou para oferecer a quem se gosta, contribuindo para a valorização pessoal e para a auto-estima, nota ainda.
Para a octogenária dos Pousos, é uma ferramenta importante para manter o bem-estar emocional. Funciona como complemento numa vida activa, que também passa pela prática desportiva, explica a neta.
Peça a peça, Maria Pereira, 45 anos, de Leiria, vai construindo puzzles sobre as mais diferentes temáticas, sejam paisagens, figuras de filmes ou desenhos animados. Este não era o tipo de presente que costumava receber quando era menina. “Nessa época, era mais comum oferecer-se bonecas”, conta Maria.
“Quando fui mãe, passei a dar muitos puzzles à minha filha e fazia- os com ela”, conta a comercial, que desde então nunca mais deixou o passatempo. “Alguns amigos sabem deste meu gosto e também me oferecem.”
“Não me assusta o grau de dificuldade”, refere Maria, que completou alguns de 3 mil peças. É precisamente esse desafio que a entusiasma a querer superar-se de puzzle em puzzle. “Tivera eu mais tempo e espaço em casa, que mais jogos destes faria”, conta a comercial, que vê esta actividade como uma forma de relaxar e de se abstrair dos problemas do quotidiano.
Foi também por causa do filho que Bruno Rodrigues, de 45 anos, condutor mecânico numa fábrica de vidro, na Marinha Grande, se rendeu aos brinquedos. No seu caso, às construções de Lego. Decidiu resgatar as velhinhas peças dos seus caixotes, que tinha guardado da sua meninice, quando o seu filho teria 8 ou 9 anos.
“Foi uma maneira de o desviar da televisão e do tablet. Ele gostou e, até aos seus 14 anos, passámos tempo de qualidade, a fazer construções durante horas”, recorda Bruno.
Mas se o entusiasmo do filho esmoreceu, o mesmo não aconteceu com o pai que, com mais ou menos regularidade, continua a usar este passatempo como forma de se distrair. “Tenho montada no sótão uma cidade feita com peças Lego. São 45 metros quadrados de cidade”, conta Bruno, que costuma comprar peças usadas, vendidas ao quilo. Existem peças tão caras que, por vezes, basta encontrar uma ou outra menos comum, que facilmente compensa o investimento, explica o aficionado.
E, “para quem tem o olho treinado”, é relativamente fácil perceber a que conjuntos pertencem essas peças, bem como os anos do seu lançamento. Existe também muita informação online, com dicas úteis para quem colecciona e faz estas construções, expõe Bruno. Polícias, bombeiros e cowboys são alguns dos temas da sua preferência, aos quais se juntam outros universos conhecidos, como Batman e Joker, partilha o entusiasta.
Olímpio Alexandre (Alex), 41 anos, é gestor e financeiro numa empresa e é também um grande especialista em Lego. Já tinha recebido alguns conjuntos quando era pequeno, mas foi aos 20 e poucos anos, depois de uma operação ao joelho, que o manteve em casa durante muito tempo, que se entregou a esta “paixão”.
É construtor e coleccionador de conjuntos de Lego, integra grupos de fãs, nacionais e internacionais e, há cerca de um ano, criou o seu próprio blogue Play Well Portugal, onde partilha dicas e construções com os fãs de Lego de todo o mundo, plataforma que foi recentemente reconhecida e é apoiada pela própria marca.
“Durante a semana, tiro uma ou duas horas por dia para me dedicar às peças Lego. No fim-de-semana, tento aproveitar mais a família”, conta o gestor, residente em Leiria.
Com alguns conjuntos expostos, outros arrumados, admite que já vai sendo difícil concentrar tudo numa só divisão da casa. E alguns dos conjuntos estão preparados para as exposições que vai realizando. “Há conjuntos à venda por 850 euros. Mas há deles antigos, raros, que podem custar 2,3 ou 4 mil euros”, nota Alex.
“Compro muitas coisas novas, em caixas, mas também peças individuais concretas para projectos específicos. Gosto muito de fazer edifícios modelares, recriar sítios reais ou não. Um dos meus maiores projectos demorou mês e meio a fazer, durante todos os dias, um bocadinho à noite, e levou três a quatro mil peças”, conta o aficionado, para quem estas construções são “escape”, “momento para relaxar e abstrair do mundo real”, promovendo ainda a “imaginação” e a procura por “soluções inovadoras para problemas”.