Carla e Pedro Lopes casaram e decidiram aproveitar os primeiros anos de vida em comum a namorar e a divertirem-se. Em 2013 entenderam que estavam preparados para ter um filho e o calvário começou. A frustração surgia todos os meses. Após um ano de tentativas, o casal percebeu que algo não estava bem.
A infertilidade afecta perto de 300 mil casais em todo o país, segundo dados da Associação Portuguesa de Fertilidade. O número de casos tem vindo a crescer, admite Andreia Antunes, directora do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia da Unidade Local de Saúde da Região de Leiria, ao apontar como uma das causas o “aumento de idade com que as mulheres decidem engravidar”.
Em meados de 2014, a médica de família encaminhou Carla e Pedro para uma consulta de fertilidade no hospital de Coimbra, onde iniciaram uma série de exames. “O espermograma não era mau, mas também não era excelente.
Inicialmente diziam que a causa era masculina, mas quando juntavam os meus óvulos nunca tinha suficientes para transferir”, conta Carla. Fez três tentativas de tratamento em Coimbra, uma por ano. Sem resposta fechou o processo e foi para o Porto. “Foram três anos até porque sentia necessidade de fazer pausas, em termos psicológicos afecta-nos.”
No Porto recorreu a uma ovodoação com os seus óvulos e não resultou. Como em média o tempo de espera para ovodoação é de três anos, Pedro e Carla recorreram a uma clínica privada, onde gastaram cerca de dez mil euros. “Transferi, mas não obtive gravidez.” Em 2022, o hospital público informou-se de que lhe tinha sido atribuído uma dadora. O casal assumiu que esta seria a última tentativa.
Durante dez anos passaram constantemente pela “expectativa, frustração e o luto” no final de cada tratamento. À segunda transferência e sexto tratamento, a Maria nasceu em Outubro de 2023, tinha Carla 39 anos. Foi concebida com óvulos doados e os espermatozoides de Pedro.
Após a primeira ecografia, o medo mistura-se com a alegria do teste positivo. “Não sabemos se vai correr bem. Até nascer há sempre receio”, confessa, admitindo que este último foi o tratamento em que esteve mais descontraída. “Ser pais aos 40 anos também é bom. Temos outra maturidade”, confidencia.
“No público só há três tentativas e no dia que fazemos 40 anos já não é possível fazer mais.” O que mais custa, revela, é desconhecer a razão por que não consegue engravidar. “Questionava-me se não merecia ser mãe.” Não obstante, o humor foi sempre a forma de ajudar a lidar com o problema.
“Costumava brincar a dizer que tinha faltado às aulas de Biologia e não sabia fazer filhos.” Quando seguraram a Maria pela primeira vez, a vida do casal mudou para sempre. O nome foi escolhido em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, a quem Carla agradeceu.
Frustração e sentimento de injustiça
Luzia Matos passou por todo o processo de tentativas e frustração há 22 anos. Sofria de endometriose, uma das causas de infertilidade, ainda muito desconhecida da comunidade médica há duas décadas e não tinha uma trompa e um ovário, o que nunca foi considerado um problema para os médicos. Por isso, quando decidiu engravidar estava longe de pensar que teria pela frente dez anos difíceis.
Após dois anos de tentativas sem resultados, o casal recorreu a um especialista em fertilidade e Luzia iniciou um conjunto de tratamentos com medicação oral.
“A frustração chegava ao final de cada ciclo e percebia que não estava grávida.” Tentou vários tratamentos diferentes, fez os gráficos de temperatura e chegou a sofrer um aborto espontâneo. A tristeza era contínua.
Ao fim de seis anos fez o primeiro tratamento in vitro, ainda passou por uma clínica privada, mas os custos eram elevados para o que podia suportar economicamente. A primeira fecundação com quatro embriões não resultou. Cerca de oito meses depois repetiu o processo com os seus óvulos e os espermatozoides do marido. F
icou finalmente grávida, dez anos depois de todo o processo. A gravidez não foi fácil. Foi obrigada a repouso absoluto e o medo de que algo corresse mal estava sempre presente. Cumpriu à risca todos os conselhos médicos. Foi mãe aos 34 anos. Descobriu que estava grávida um dia antes do seu aniversário. “Uma bela prenda de anos.”
Com a dificuldade em engravidar, Luzia abdicou da contracepção enquanto estava a amamentar. Seis meses depois descobriu que o excesso de peso que mantinha estranhamente após ter sido mãe era resultado de uma nova gravidez.
Apesar de Luzia admitir que sempre levou todo o processo com humor, não deixava de pensar que a vida era injusta e não entendia a razão de não acontecer consigo. A técnica de saúde confessa que este processo acaba por ser “humilhante”, porque além de expor toda a vida íntima do casal, a mulher é observada por uma equipa de médicos em diferentes situações.
“Há também um grande desgaste emocional. A parte física aguenta-se. Queremos muito ser mães e tudo isso se ultrapassa.” Longe ainda desde processo, Raquel Silva está há um ano a tentar engravidar, após nove anos de casamento. Começou agora uma dieta específica para “tratar o útero”.
A dificuldade tem sido em realizar algumas análises e exames complementares para despistar um eventual problema já que a médica de família nem sempre tem colaborado, lamenta. Aos 27 anos, a jovem começa a sentir a pressão da sociedade e, quando não bebe álcool, todos perguntam se está grávida. “Torna-se um pouco frustrante.”
Andreia Antunes explica que a infertilidade é colocada como hipótese “após um ano de tentativa de gravidez sem sucesso, ou seis meses após os 39 anos da mulher”.
“Actualmente, uma em cada seis pessoas tem problemas de fertilidade. Pode já existir uma condição de saúde que afecte a fertilidade de uma mulher ou de um homem, mas o adiamento da parentalidade tem influência na capacidade reprodutiva”, reforça Joana Freire, directora executiva da Associação Portuguesa de Fertilidade (APF).
Leiria acompanhou 100 casais
Nos últimos três anos, foram acompanhados em consulta de saúde reprodutiva no hospital de Leiria cerca de 100 casais. “A principal causa é o aumento da idade de procriação da mulher, aumentando quer os factores hormonais por envelhecimento ovárico, quer os factores imunes e desconhecidos”, explica a directora do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia.
Na origem da infertilidade podem estar problemas com a “má qualidade do esperma”, factores hormonais da mulher, trompas obstruídas, “factor uterino e factor imune”. Há também causas desconhecidas. Quando existe dificuldade em engravidar, os médicos podem avançar para a correcção do factor hormonal ou imune, e para a fertilização assistida (in útero ou in vitro), com gâmetas femininos ou masculinos, próprios ou de dador.
“Em Leiria só temos tratamento médico com indução de ovulação. Os casais para tratamentos de fertilização assistida são encaminhados para a Unidade Local de Saúde de Coimbra”, revela a especialista, ao adiantar que a taxa de sucesso “varia de acordo com o factor causal, a idade da mulher e o centro que trata”. “Para fertilização assistida a taxa de sucesso é, em média, de cerca de 30 a 40%.”
Joana Freire aponta os tempos de espera para acesso à primeira consulta como a maior dificuldade que os casais enfrentam no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o mesmo se passando com o acesso aos tratamentos de fertilidade. “O tempo de espera para tratamento oscila entre um e três anos. O maior tempo de espera são para casos em que é necessário o recurso à doação de óvulos ou espermatozoides”, porque o número de doações de gâmetas no SNS é “insuficiente para responder aos casos que chegam aos centros de procriação medicamente assistida a nível nacional”, explica a directora executiva da APF.
A idade limite de acesso aos tratamentos é também um problema. “Para a realização de uma indução de ovulação e inseminação intrauterina, os chamados tratamentos de primeira linha, a mulher não pode ter mais de 42 anos. Para os tratamentos de segunda linha, como a fertilização in vitro e a injecção intracitoplasmática de espermatozóide, apenas as mulheres até aos 40 anos são ajudadas”, lamenta Joana Freire.
Quando estas idades são ultrapassadas, o único recurso existente é a realização de tratamentos no sector privado, com custos elevados. O Estado comparticipa na totalidade os tratamentos de fertilidade no SNS e parte da medicação.
“Também existe apoio psicológico nos centros públicos de PMA, mas longe de ser suficiente ou mesmo divulgado entre os beneficiários durante os tratamentos”, refere Joana Freire, criticando que não haja qualquer ajuda para os casais que ultrapassem a idade permitida para aceder ao SNS e tenham de recorrer ao privado. “Esta é uma falha importante no apoio à natalidade junto de pessoas com problemas de fertilidade”, reforça.
Não existe resposta em todo o País para a realização de tratamentos de fertilidade. O desequilíbrio da distribuição geográfica dos centros obriga os utentes a deslocarem-se, por vezes, centenas de quilómetros para consultas e tratamentos.
Inclusão de casais homossexuais
Com o objectivo de apoiar, defender e informar os cidadãos que têm problemas de fertilidade, a APF representa esta comunidade “junto do poder decisório para que medidas de ajuda e legislativas sejam mais abrangentes e inclusivas”.
Joana Freire considera ser “da máxima importância” que se conclua a regulamentação da gestação de substituição. “Há seis anos que os casais que dependem desta alternativa à maternidade para poderem ser pais aguardam por um suporte legal que possibilite que esta seja uma realidade no País”, constata, ao informar que esta lei se encontra suspensa “desde que o Tribunal Constitucional exigiu, em Abril de 2018, uma revisão de algumas das normas que compõem a Lei da Procriação Medicamente Assistida”.
Por outro lado, a directora executiva da APF reconhece que “falta ainda trabalhar a lei no sentido de incluir os casais homossexuais no apoio à fertilidade”. “Em Portugal, apenas as mulheres sem companheiro, os casais de mulheres e os casais heterossexuais têm acesso a essa ajuda. Porém, enquanto não for desbloqueada a situação da gestação de substituição, dificilmente os casais de homens podem concretizar o seu projecto de parentalidade.”
Três centros de doação