Todos os empregos têm aspectos agradáveis e outros menos positivos. Mas existem algumas profissões que, seja pela dureza dos turnos ou pela exposição continuada às intempéries, ao ruído, ou ao stress, exigem muito mais da saúde física e mental dos trabalhadores.
Um vidreiro, um pescador, uma comercial da indústria de moldes e um auxiliar de recolha selectiva de cartão e plástico expõem, na primeira pessoa, os aspectos da sua rotina que mais contribuem para a degradação da saúde e referem, por outro lado, de que estratégias e equipamentos se servem para atenuar esses constrangimentos da profissão.
José Ramos, de 34 anos, trabalha há cinco numa fábrica de vidro de embalagem e consegue identificar perfeitamente as característica do seu emprego que, a curto e a médio prazo, contribuem para a degradação da saúde física e mental dos colaboradores.
Numa indústria deste género, explica José, não são apenas os operários que laboram mais próximo dos fornos de vidro que sofrem com os efeitos das altas temperaturas. Quem, como ele, tem de passar o dia a caminhar entre zonas de maior e menor temperatura, acaba por ter as constipações como certas.
Nos últimos meses, as suas tarefas têm vindo a dividir-se. Às vezes fica responsável por manobrar o paletizador, ora em zonas mais quentes, ora em zonas mais frescas da unidade. Outras, fica responsável por aferir a qualidade da matéria- prima. É sobretudo com esta função que mais sofre os efeitos da oscilação da temperatura, porque tem de se aproximar do calor intenso do forno, “um calor de Inferno”, para sair de seguida para outro local, fresco, onde analisa a qualidade da garrafa. “Se por acaso me constipo nunca mais me curo, porque estou a transpirar quando passo por correntes de ar”, justifica.
Na área da fabricação, constantemente junto aos fornos, os trabalhadores “bebem litros e litros de água. Também não dá saúde nenhuma”, admite o operário. Mas o pior, defende José, é trabalhar por turnos com horários que mudam a cada 24 horas. “Nunca entramos dois dias à mesma hora”, realça o jovem.
“Hoje acordei às 4 horas, para entrar no emprego às 5 horas. Quando saí às 13 horas tive de dormir uma sesta. Se não o fizesse andava rabugento e sem paciência. Tive de aproveitar o final de tarde e terei de aproveitar a manhã de amanhã, porque vou trabalhar às 13 horas”, relata o operário.
Quando não tem qualquer hipótese de descansar à tarde reconhece que lhe falta a paciência e muitas vezes vê-se envolvido em discussões sem nexo com a família. Uma vez que os operários trabalham todos os dias neste registo, até durante o fim-de-semana e nos feriados, as empresas atribuem dias de compensação, para que os funcionários possam parar ao longo do ano quando se sentem cansados.
O problema, aponta o jovem, é que nem sempre é oportuno para a fábrica ceder os dias nas datas solicitadas pelos trabalhadores e, sem essas pausas, adensa-se o cansaço, nota o operário.
No entanto, realça, para atenuar alguns destes efeitos, a empresa disponibiliza vestuário e equipamentos de protecção. Esses artigos são: tampões para proteger os ouvidos do ruído; óculos para proteger os olhos de eventuais estilhaços; luvas para manuseamento das garrafas; botas com biqueira de aço, para protecção dos pés; vestuário fresco para fazer face ao calor; e boné, que serve para proteger a cabeça e, sobretudo, impedir a contaminação dos produtos com cabelo.
Faina sob o sol, o vento e a chuva
Aos 40 anos, João Paulo Delgado, da Nazaré, leva cerca de 13 anos na pesca. João Paulo costuma pescar em embarcações de pesca local (até 9 metros) e de pesca costeira (de 9 a 24 metros) que, salvo excepções de dois ou três dia no mar, costumam regressar à costa diariamente. E é em função da época do ano ou do tipo de arte de pesca que os pescadores adaptam os seus horários.
[LER_MAIS] Essa irregularidade de rotinas impede-os de acompanhar a rotina da família, o que causa a todos grande frustração. Uma vez no mar, “apanhamos tudo o que vem do céu, seja sol, chuva, vento ou vagas de água”, nota o pescador.
E porque quando não se vai ao mar não se ganha, cada vez que as condições meteorológicas o permitem, estende-se a jornada ao máximo para tirar o maior proveito possível, sublinha João Paulo. Essa carga horária origina fadiga, menor concentração e, com isso, acidentes de trabalho, acrescenta o pescador.
“A pesca é a profissão de maior risco no mundo do trabalho. Não há outra com uma taxa de sinistralidade tão grande”, realça.
“As mazelas mais frequentes são músculo-esqueleticas, resultantes das más posturas do corpo durante o processo de pesca; a degradação das articulações (ancas e joelhos), fruto da actividade numa plataforma instável; também amputações, quando se entalam membros nos cabos, nos guinchos; e quedas, com pescadores projectados borda fora no momento da largada de redes ou anzóis”, exemplifica o pescador.
João Paulo explica também que, para obter pescado de alto valor comercial, os pescadores trabalham muitas vezes na zona de rebentação, no Inverno, o que envolve grande risco. O dirigente da Mútua dos Pescadores refere ainda que, pelo desinvestimento público na drenagem da areia acumulada à entrada das barras, coloca-se em perigo quem as utiliza e tem havido vários acidentes mortais. A degradação das escadas de acesso dos portos às embarcações também tem contribuído para quedas, salienta João Paulo.
A exposição continuada ao sol também aumenta o risco de cancro de pele, e a alimentação não é a mais indicada nas embarcações pequenas, onde poucas são as alternativas às sandes, nota João Paulo.
“Se os rendimentos aumentarem, há maior predisposição para investir na área da segurança”, defende o pescador. As questões da segurança e da dignificação da profissão decorrem da valorização do pescado e da forma como se distribui a riqueza gerada pelos pescadores”, considera João Paulo.
Para o dirigente da Mútua, se as empresas investirem mais e melhor nas condições de trabalho a bordo (alojamentos, fornecimento de capacetes e calçado adequado, etc.) e se os pescadores não tiverem de arriscar tanto para poder sustentar- -se, os acidentes tendem a diminuir.
Parar para recuperar fôlego
Bruna Rodrigo, 35 anos, é comercial na área de projecto de moldes para países de língua inglesa, uma função que implica grande responsabilidade e que, não raras vezes, origina momentos de muito stress.
Na indústria de moldes existem fases de menos trabalho e fases de picos de encomendas, onde a comercial pode ficar responsável por gerir e acompanhar dezenas de moldes, que é preciso entregar em prazos apertados. É preciso estar muito atenta, definir prioridades, para que nada falhe, expõe a comercial.
Por vezes, quando toda a fábrica está pronta a avançar com um trabalho, pode acontecer que o cliente altere a data, fazendo aumentar a dificuldade de gerir a situação, fazendo aumentar o stress, exemplifica Bruna Rodrigo. Quanto aos testes dos moldes, também podem acontecer nas datas em que Bruna tinha previsto tirar dias de férias, e é preciso adiar o descanso e o convívio familiar por mais tempo.
Embora as viagens regulares a outros países sejam uma forma de conhecer destinos e culturas diferentes, o que vê como uma das maiores vantagens da sua profissão, Bruna também reconhece que as viagens se tornam cansativas.
Nem sempre há tempo para descansar durante o voo e sai-se do aeroporto directamente para uma reunião exigente de trabalho. O stress é uma realidade em todas as indústrias de moldes, transversal a várias funções, realça a comercial.
Na área da produção, para fazer face aos picos de encomendas, também é necessário fazer horas extra durante vários dias, exemplifica Bruna Rodrigo. “Na minha área a pressão é elevada, porque é a partir do departamento comercial que se devem fidelizar clientes e apresentar novos contactos. Somos o rosto da empresa”, realça a colaboradora.
Há dois anos, quando fazia a licenciatura durante a noite e trabalhava durante o dia, Bruna sentiu que o cansado era tanto que precisava de parar. E assim fez, depois de uma paragem breve de duas semanas, a comercial reorganizou as suas prioridades e métodos de trabalho.
Começou por se educar no sentido de não responder a emails depois do horário laboral, de forma a dar mais espaço à vida familiar. Também passou a aproveitar mais os fins-de-semana, que incluem desporto, no ginásio, e caminhadas em família. Agora, diz-se feliz com a sua profissão. “O segredo é empreender as energias nas coisas certas, e geri-las”, resume Bruna.
Duas toneladas para carregar
Paulo Ferreira tem 26 anos e, há cerca de um ano, é auxiliar de recolha selectiva de plástico e cartão. Tem uma jornada de trabalho das 8 às 17 horas e, em equipa com outro colaborador, é responsável por recolher estes dois tipos de resíduos junto de fábricas e restaurantes da região.
Embora se depare com frio e chuva nos dias de Inverno, o jovem diz-se feliz com as suas funções. Pelo facto de se deslocar todos os dias por sítios diferentes, cada semana é diferente da anterior, justifica o funcionário. Paulo reconhece que, para muita gente, ainda existe preconceito associado à sua profissão e que, para muitos, ele ainda continua a ser “o homem do lixo”.
Mas o jovem diz que não dá importância à forma como é olhado e gosta do que faz. Aliás, Paulo conta que foi o próprio que pediu para ser transferido da função anterior, da triagem, que era “monótona” e exigia estar sempre de pé. De duas em duas horas era recomendada uma pausa, para dar oportunidade aos colaboradores de se movimentarem ou sentarem, explica Paulo.
Mesmo assim prefere a função actual. Embora chegue a recolher com o colega cerca de duas toneladas de resíduos por dia, o que também tem efeitos na coluna, o dia acaba por passar mais depressa já que os funcionários estão permanentemente a circular, compara o jovem.