Na Quinta do Alçada, as diferentes religiões estão à procura de estabelecer pontes para o diálogo. No bairro está localizada a mesquita de Leiria, a uma curta caminhada dos lugares de culto da Igreja Católica e da Igreja Evangélica Assembleia de Deus.
Quinta do Alçada: os dias de todas as cores no bairro que é um caldeirão de culturas
O imã Abbas Botão, o padre Rui Ribeiro e o pastor Bruno Malheiro reuniram-se oficialmente pela primeira vez em Fevereiro, depois de um encontro exploratório em Dezembro. “E para já o que definimos foi em termos sociais tentar encontrar um projecto em que possamos trabalhar em conjunto sem ferir as susceptibilidades de cada um”, explica o sacerdote da diocese de Leiria-Fátima na paróquia de Marrazes. “Um primeiro passo”, diz Rui Ribeiro, nomeado em 2016. “Neste momento, já nos encontramos, já falamos, já nos conhecemos, já temos algum caminho feito”.
Ao JORNAL DE LEIRIA, o imã Abbas Botão confirma a vontade de “trabalhar em conjunto para apoio aos necessitados”, sejam muçulmanos ou não muçulmanos, numa iniciativa que considera “muitíssimo importante”, pela mensagem que envia. “Indica amizade, paz” e contribui para mudar mentalidades, salienta o guia espiritual da comunidade islâmica radicada nos concelhos de Leiria, Marinha Grande, Batalha e Ourém, entre outros, que inclui imigrantes de Marrocos e do Uzbequistão, da Síria, Jordânia, Paquistão, Guiné-Bissau, Egipto e Moçambique, por exemplo.
Na mesquita da Quinta do Alçada, quase 30 crianças frequentam as aulas de iniciação ao Corão em árabe.
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De acordo com Bruno Malheiro, o que está pela frente não é um momento ecuménico de celebração, mas vai abrir caminho a novas respostas para a população residente na freguesia de Marrazes. E deixa algumas pistas: “Todos trazermos para cima da mesa o que já estamos a fazer e, por exemplo, definir uma instituição em comum que queremos apoiar, ou, porque não, ajudar a construção de uma escola na Guiné ou em Marrocos”.
Na Quinta do Alçada, o pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus vê como mais urgente o suporte às gerações mais jovens e a integração dos cidadãos estrangeiros.
Desde o jardim de infância, os filhos de Luís Bernardes estão habituados aos amigos de outras latitudes. Nomes e apelidos pontuam as raízes mais exóticas na sala de aula e nos convívios de fim de ano os petiscos mais invulgares partilham a mesa com pastéis de massa tenra. Todos diferentes, todos iguais. Luís Bernardes é o presidente da Associação de Pais da Escola Básica do 1.º Ciclo da Quinta do Alçada, um estabelecimento de ensino com centena e meia de alunos com ascendência em variados países, que funciona como “território neutro e respeitado”. Ao longo dos anos, “à custa de muito empenho, coesão e dedicação”, nomeadamente dos pais, aponta Luís Bernardes, a escola tem beneficiado de sucessivos melhoramentos: pintura, arranjos exteriores, ampliação da cobertura, alguns exemplos de obras que garantem melhores condições. Falta um objectivo antigo: um renovado espaço para brincadeiras no recreio. Também referência para as famílias que moram na Quinta do Alçada, a Secundária Afonso Lopes Vieira (ESALV) é um exemplo de multiculturalidade no concelho de Leiria. São 88 adolescentes, de 15 nacionalidades. Ao ponto de acolher, de braços abertos, estudantes que outros não querem, garante a directora, Celeste Frazão. “Recebemos muitos alunos que são rejeitados por outras escolas, é uma realidade”. Brasil, Rússia, Espanha e ainda Argentina, Angola, China, Cuba, Bielorrússia, Holanda, Itália, Marrocos, Moçambique, Roménia, Ucrânia e Uzbequistão. “A nossa função é adaptarmo- -nos, não é excluir. E a inclusão sempre esteve presente aqui”, salienta Celeste Frazão. No refeitório há ementas específicas para alunos muçulmanos e os professores disponibilizam horas para dar apoio de português como língua não materna. O acolhimento passa igualmente por ajudar famílias com carências económicas. Já no Agrupamento de Escolas de Marrazes, há apoio individualizado e tutorias, fora do horário, para facilitar a integração dos alunos, sobretudo quando não dominam a língua portuguesa. Segundo Jorge Brites, presidente do Agrupamento de Escolas de Marrazes, que abrange a Escola do 1.º Ciclo da Quinta do Alçada, há uma preocupação transversal de “valorizar a diferença” e “capitalizar a diversidade”. O que acontece em projectos como o Abraç'Artes, com o Órfeão de Leiria, que envolve as famílias em concertos focados na música de outros países, ou os Guardiões da Memória, que recupera histórias de família.