Professores pressionados, e frustrados, que têm de cumprir um programa orientado para as notas dos exames e para o acesso ao ensino superior. E alunos que, ao longo de três anos, não têm oportunidade de adquirir competências essenciais para viverem de forma autónoma nem nos tempos de faculdade nem nos anos que se seguem.
Esta é uma opinião partilhada por encarregados de educação e por professores, para quem o secundário é um ciclo de ensino perdido.
Duzentas lições de matemática e não sabem preencher o IRS
É a própria filha de Ana Filipa Neves, de 17 anos, que chega a casa desanimada e muitas vezes desabafa com a mãe: “ando a matar a cabeça com tantas coisas, mas, se precisar, nem sei preencher o formulário do IRS”. De acordo com esta encarregada de educação, existe uma grande pressão para que os alunos tenham boas notas nos exames nacionais, de forma a garantirem o ingresso no ensino superior. E por isso não são muitas as actividades que os preparam para se moverem com autonomia no seu quotidiano, explica Ana Filipa.
O esforço dos alunos é canalizado para as matérias que podem sair nessas provas finais, expõe a mãe, realçando que só este ano a aluna já assistiu a quase 200 lições de Matemática. E, embora a escola tenha promovido uma acção de voluntariado, com uma deslocação semanal dos alunos a uma casa de crianças institucionalizadas, só quatro estudantes do secundário (uma delas a filha de Ana Filipa), se dispuseram a abdicar de uma pequena parte do seu tempo para lerem histórias e fazerem trabalhos manuais com os mais novos. Ou não há tempo, ou não há promoção desses valores, questiona a mãe.
Ana Filipa Neves veria com bons olhos uma ligeira redução da carga horária de algumas matérias, para que outras pudessem ter lugar. Como a gestão do orçamento ou até lições de cozinha, exemplifica a encarregada de educação.
À beira de completar 18 anos e de ingressar na universidade, falta à sua filha, como a muitos alunos do ensino superior, competências para passar a residir longe dos pais durante os anos de vida universitária. Mas com poucos recursos financeiros, alguma criatividade, e sem “roubar” muito tempo de estudo, há conhecimentos básicos que podem ser transmitidos aos estudantes. “Há sempre um pai contabilista ou uma mãe que sabe cozinhar, e que podem ir à escola daalgumas dicas”, defende a encarregada de educação.
Ainda no 10.º ano, mas já igualmente pressionado para obter boas notas e assim ingressar no ensino superior, está o filho de Marina Fernandes. No entanto, “este ensino que os prepara para a faculdade já teve muito mais qualidade. Acho que lhes falta consciência cívica, por exemplo. Interessa é a turma ter uma média aceitável”, critica a encarregada de educação.
Três anos em função de duas horas de exame
É a experiência de longos anos de ensino e o contacto com outros professores que levam Filinto Lima,um novo modelo de acesso à universidade, defende o presidente. Carlos Carvalho, professor de Informática na Escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte, na Marinha Grande, também considera que o peso atribuído às notas dos exames nacionais vem “subverter tudo”.
[LER_MAIS] O professor explica que é tanta a pressão para que os alunos tenham boas notas de acesso ao ensino superior, que os três anos de secundário acabam por ser uma espécie de “ciclo pré-universidade”. As notas são também uma pressão para os professores, na medida em que as escolas têm de justificar a razão dos eventuais desfasamentos entre as notas internas e as notas dos exames nacionais, sublinha Carlos Carvalho.
O professor recorda que há alguns anos este ciclo de ensino sofreu uma reforma, que implicou a redução da carga horária lectiva. O objectivo era que, além dos conteúdos avançados pelos docentes, os alunos também tivessem tempo para aprender pelos seus meios, através de pesquisas na biblioteca, na internet, ou através de trabalhos de grupo. Mas esta reforma não veio contribuir para uma maior autonomia e capacidade de reflexão por parte dos estudantes, observa Carlos Carvalho.
Para tornar o ensino secundário mais livre, mais autónomo do ensino superior, será necessário “tirar o peso da nota de exame. Há que encontrar outra bitola”, acredita o professor. Enquanto essa mudança não chega, os professores vão tentando incluir nas aulas assuntos úteis para o sei dia-a- dia. Nas suas aulas de Aplicações Informáticas, por exemplo, Carlos Carvalho aproveita para incentivar a realização dos trabalhos com suporte de vídeo ou de áudio, que serão ferramentas úteis para futuras apresentações de trabalhos, no ensino superior ou depois dele.
A vantagem desta exigente preparação para os exames é a cultura geral que é transmitida aos alunos. E é também o facto de ser uma maneira destes “aprenderem como aprender”, remata o professor.
Professores também são pressionados
“Os alunos são pressionados pelos resultados e os professores sentem-se pressionados também, porque têm de cumprir o programa e não há espaço para o desenvolvimento de outras competências, além dos conteúdos que saem nos exames”, salienta Cremilde Rodrigues, directora pedagógica do Colégio Dinis de Melo, de Amor, Leiria.
E a directora pedagógica vai mais longe: “os professores estão reféns dos exames nacionais. O trabalho deles é pautado pela exigência dos exames. E enchem-se os alunos com conhecimentos que são, na maior parte das vezes, teóricos”.
Professora de Português, Cremilde Rodrigues recorda que “há meia dúzia de anos tínhamos programas direccionados para o preenchimento de documentos e quase não havia tempo para literatura. Agora, o programa afasta os alunos, porque é só literatura portuguesa”. O ideal seria obter algo “intermédio”, sob pena de os alunos não saberem como preencher relatórios, requerimentos ou até enviar um email mais formal, exemplifica a directora pedagógica.
Seria útil, propõe a docente, que os conteúdos da área da cidadania pudessem ser leccionados, de uma forma transversal, pelas várias disciplinas.
“Vamos realizar o nosso sarau anual no próximo dia 27 de Maio, no Teatro José Lúcia da Silva, com desempenhos na áreas artística, desportiva, e outras. É a nossa tentativa de conciliar tudo”, justifica a professora.