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Quem tiver memória ou curiosidade em recuar aos anos 80 do século passado vai visualizar, com toda a certeza, imagens das filas (na altura chamavam-se bichas) que se geravam para entregar a declaração de IRS, para fazer um levantamento no banco, requisitar um contador de água ou até para comprar bilhete para uma sessão de cinema.
Tudo mudou. Ou melhor, tudo se digitalizou. E as filas deslocalizaram-se para os grandes eventos.
Veio o fenómeno pandémico e entrou-se num novo ciclo de filas e numa nova batalha. Primeiro, contra o vírus infeccioso. Depois, contra o vírus do cepticismo.
Banalizaram-se as reuniões virtuais, em trabalho ou em família.
Distanciaram-se os contactos sociais e regressaram as filas para coisas tão básicas como comprar meia dúzia de papo-secos.
Naquela fase inicial, as prateleiras dos supermercados em final de tarde ostentavam o vazio do desnorte.
E a desolação era ainda maior quando se encontrava este triste cenário, depois de uma longa espera na fila das entradas controladas.
Mais tarde, num dos picos do foco infeccioso, assistimos, incrédulos, a filas de ambulâncias à porta dos hospitais. Ouvimos testemunhos impressionantes de profissionais de saúde no limite da exaustão.
Reconhecidos, fizemos fila para lhes manifestar apreço pela determinação e resiliência com que enfrentaram a luta contra uma doença até então desconhecida.
A estima de um País inteiro, porém, de pouco ou nada servirá, se não for acompanhada de reformas estruturais, de reforço orçamental e aumento de recursos humanos.
É um facto que nestes últimos dois anos houve mais investimento no Serviço Nacional de Saúde e que foram abertas algumas vagas para a entrada de mais médicos.
Mas não deixa de ser uma realidade que muitas destas vagas ficaram por preencher e que há unidades de saúde em permanente sobressalto com a falta de quadros especializados.
O drama tem-se feito notar sobretudo nos serviços de urgência, mas assume dimensão preocupante também nas listas de espera para uma consulta ou cirurgia.
Como é possível constatar no trabalho que publicamos esta semana, há casos nos hospitais do distrito de Leiria em que o horizonte de ser chamado para uma observação ou tratamento especializado está à distância de quase ano e meio.
Isto sim, é uma longa fila.
E uma fila com esta dimensão de incerteza e ansiedade, não se consegue solucionar com inteligência artificial, mas com inteligência real e estrutural.
