Pedro Teixeira pára uns segundos para recuperar o fôlego.
À sua frente, centenas de degraus de madeira descem até ao vale da praia fluvial das Fragas de São Simão, no concelho de Figueiró dos Vinhos.
O calor aperta, embora as nuvens encubram o céu.
O emigrante em França ajeita o chapéu de palha dourada que lhe protege os cabelos brancos e grita, em francês, ao neto de seis anos, para que tenha cuidado na correria até ao fundo da escadaria que os leva da aldeia do Casal de São Simão até às margens frescas lá em baixo.
E continua a contar como deixou Portugal, finda a Guerra Colonial, para ir trabalhar numa empresa de construção no sudeste de França.
Reformado e natural de numa aldeia junto a Pedrogão Pequeno, alonga-se nas estadas em Portugal, a cuidar da horta. Hoje, como prometido, trouxe o neto à praia fluvial.
“Já não vinha ao Casal desde que fui para França. Havia castanheiros, pinheiros e carvalhos por todo o lado e já poucas pessoas viviam aqui. Era um país de uma miséria muito grande. Em 50 anos, mudou muita coisa e já quase não reconhecia isto. Está mais bonito, organizado, as ruas cuidadas e gente por todo o lado.”
O Casal de São Simão é a única localidade do distrito a pertencer ao grupo de 27 que constituem a rede das Aldeias do Xisto, iniciativa de desenvolvimento sustentável, de âmbito regional, liderado pela Adxtur – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto, em parceria com 19 municípios da Região Centro e mais de 100 operadores privados.
Ali perto, a praia fluvial da aldeia do Mosteiro, no concelho de Pedrógão Grande, também integra a rede.
Moradores e autarcas dizem que o ingresso na iniciativa foi um passo importante para o desenvolvimento local e recuperação de localidades únicas e os visitantes são cada vez mais.
Aníbal Quinta foi o primeiro morador de fora a chegar ao Casal de São Simão, ainda nos anos 80.
Desde então, a paisagem à volta do casario em pedra de xisto, alterou-se radicalmente devido aos grandes incêndios e à introdução de plantações de eucaliptos a perder de vista, mas as pedras continuam as mesmas.
Há muito que acalentava um sonho: encontrar o local ideal para um refúgio onde pudesse fugir da confusão do quotidiano e retemperar as forças.
Uns telhados perdidos na serra, à entrada de Figueiró dos Vinhos, intrigavam-no, mas tardava a oportunidade de tomar a estrada para lá, uma vez que teria de fazer um desvio no seu percurso habitual.
Até que um dia mordeu o isco e descobriu a aldeia dos seus sonhos.
“Foi amor à primeira vista. Havia apenas quatro moradores idosos”, recorda.
Em 1989, comprou uma casa, começou a restaurá-la e depois vieram alguns amigos que fizeram o mesmo.
A pouco e pouco, a comunidade aumentou e a aldeia floresceu e voltou a ganhar vida.
A intenção dos primeiros moradores era criar um “cantinho” só seu.
“Fizemos um trabalho de reconstrução tão aprimorado, que despertámos o interesse da câmara municipal. Em 2005, o município manifestou o interesse em candidatar a aldeia às Aldeias do Xisto, e nos aceitámos o desafio. Foi muito positivo. Percebemos que, acompanhados, poderíamos fazer muito mais. Beneficiámos essencialmente de infra-estruturas de comunicações, de abastecimento de água, de iluminação da aldeia, entre outras coisas”, conta.
Mas faltava algo.
Faltava animar a economia local e foi assim que apareceu a ideia do restaurante Varanda do Casal, como mais uma componente da iniciativa das Aldeias do Xisto, além da recuperação arquitectónica.
Aníbal Quinta conta que foram os moradores que disponibilizaram a verba para a construção da unidade.
“Eu cedi o terreno e com ajuda do Feder conseguimos ali o restaurante que é um símbolo da boa restauração do concelho”, conta. O espaço tornou-se num destino incontornável do concelho, rico em gastronomia local, com pratos típicos que colocam em destaque o cabrito e o bacalhau, preparados em forno tradicional.
Carlos Simões, presidente da Junta da Aguda, freguesia a que pertence a aldeia, aponta igualmente o impacto que o Casal de São Simão teve no combate ao despovoamento daquela zona, havendo, pelas suas contas, apenas duas casas por recuperar e gostaria que outras localidades na freguesia pudessem trilhar o mesmo caminho, com recuperação e aproveitamento turístico, em torno da ideia de “refúgio de todo o ano”.
“No geral, tem sido uma experiência muito positiva, que tem trazido muita gente a visitar o Casal de São Simão ou a descer até à praia fluvial pelos passadiços a partir da ermida de São Simão à entrada da localidade”, diz o autarca.
Também para o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, a rede de Aldeias do Xisto tem sido um grande “mais-valia para o concelho”.
António Lopes anuncia ainda que estão a decorrer contactos com a Adxtur para que a localidade de Mega Fundeira e a sua praia fluvial, passem a incorporar a rede.
“Temos águas puras e frescas, ideais para passar umas férias ou apenas um fim-de-semana”, diz, adiantando que o município está a desenhar uma nova área de renovação urbana na praia do Mosteiro, para ajudar a resolver a grande procura que o local tem.
“Na época alta, o trânsito vai fluir de modo mais eficiente”, acredita. E a procura é cada vez maior.
“Em Janeiro, tínhamos 38 alojamentos locais dispersos pelo nosso território. Agora temos já 43, todos com muita qualidade. Há portugueses e estrangeiros a investir neste ramo e o mais curioso é que os vindos de fora de Portugal perceberam rapidamente, que os portugueses são os seus maiores clientes.”
Há já 18 Aldeias do Calcário para conhecer na serra de Sicó
A sul da serra da Lousã, a pedra não é xisto, mas calcário.
Aqui, as florestas autóctones ainda estão presentes e há uma iniciativa semelhante à rede das Aldeias do Xisto a tomar forma.
São as Aldeias do Calcário da Serra de Sicó.
Se tudo correr como previsto e com o apoio das populações e entidades locais, o território ganhará condições para aproveitar o seu património, cultura e ambiente natural únicos como alavancas para o desenvolvimento sustentável.
Há 18 aldeias nos distritos de Leiria e Coimbra unidas, pela mão da associação de desenvolvimento Terras de Sicó e pela história, património natural e cultural, gastronomia e vinhos.
No terreno, já se podem ver alguns sinais de investimento e de estabelecimento de unidades de alojamento local.
É o caso do lugar da Granja, com as suas Casa das Pombas e Casa do Forno, no concelho de Ansião, situado, estrategicamente, num cruzamento do Caminho de Santiago, na freguesia de Santiago da Guarda.
“Estamos a dar passos importantes na delimitação de uma zona protegida de âmbito regional. Trata-se de um assunto sensível e complexo, acerca do qual temos tido reuniões com o ICNF e com os municípios para apresentarmos uma proposta para a gestão futura desta área”, explica Pedro Pimpão, autarca de Pombal que, até há cerca de um mês esteve à frente da Terras de Sicó, apontando ainda como factor diferenciador a classificação da Arte de Construção dos Muros de Pedra Seca, como Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, tendo sido já entregue um dossier técnico para estudo do processo.
A estratégia passa também por uma aposta no turismo activo e sustentável, onde o território de Sicó desempenha um papel, que será reforçado pela inauguração do Explore Sicó, equipamento localizado junto à senhora da Estrela, na Redinha (Pombal), que será uma porta de entrada no território do calcário.
Fazem parte desta rede as localidades de Ariques, Marzugueira e Marques (Alvaiázere), Granja, Aljazede e Constantina (Ansião), Casmilo, Poço, Serra de Janeanes (Condeixa-a-Nova), Chanca, Ferrarias e Cabeça Redonda (Penela), Poios, Aldeia do Vale e Pousadas Vedras (Pombal), e Pombalinho, Mocifas de Santo Amaro e Casal Cimeiro (Soure).
Pioneiros
Zona de protecção à aldeia
Após o grande fogo que teve origem em Pedrógão Grande e que matou quase 70 pessoas em 2017, a comissão de moradores local foi uma das pioneiras na criação de zonas de protecção à aldeia, arrancando plantações de eucaliptos, limpando terrenos, instalando pontos de água floresta autóctone, mais resistente ao fogo.
Tudo sem ajudas oficiais.
“Reunimos os proprietários e moradores e dissemos ‘isto não volta a acontecer’, mas é um trabalho que nunca acaba e que tem por base o que a natureza nos dá. Daqui a 10 anos teremos uma coisa única no País. Neste momento, já temos a maior área de sobreiros do concelho e, provavelmente, uma das maiores do Pinhal Interior”, diz Aníbal Quinta.