Resultado: acabei em professora! Uma entre muitas a quem o sistema só pedia para transmitir o que alguém, por sua vez também já lhe tinha transmitido! Não fosse o queijo Roquefort e o que ele me permitiu observar desde criança e talvez eu não me tivesse sentido tão motivada para procurar apetrechar-me de um tipo de conhecimento a que Edgar Morin chamou de pertinente.
De facto, eu ligo a competência de um professor ao saber que ele possui e que lhe permite resolver os problemas que lhe surgem. E que problemas são esses? Para mim todos os ligados à resolução de casos de insucesso na aprendizagem de qualquer criança. Porque assim penso, nunca mais vou esquecer o que um dia ouvi contar à pedagoga Luísa Cortesão: após convidar os sobrinhos a observarem as formas encantadoras dos canteiros dos jardins de Serralves, estranhou a indiferença deles perante a beleza que lhes era oferecida.
De repente… ajoelhou-se e percebeu. Ficando da altura dos sobrinhos também ela não veria, naquelas formas, qualquer beleza!
De facto, transmitir só não chega, mas e voltando ao queijo Roquefort, como estou tão ligada a ele, quero ensinar a minha neta a gostar deste meu querido manjar. Por tudo o que antes disse, claro que não me passa pela cabeça pôr-lhe uma fatia à frente e obriga-la a gostar dessa maravilha, só porque eu lhe digo e o acho muito nutritivo e enormemente delicioso! Ora, não me interessa o que digam, mas eu também, gastronomicamente, quero ser uma avó competente!
Como ninguém gosta daquilo que não conhece a probabilidade de ficarmos a gostar do que conhecemos é grande e foi precisamente o que me aconteceu com o queijo Roquefort. Era eu ainda criança quando o meu pai, regente agrícola de [LER_MAIS] profissão, foi indicado por alguém do então Ministério da Agricultura para colaborar, em Portugal, com responsáveis da Roquefort.
Tinha, entre outras, como missão escolher os prados onde pastavam as cabras que amamentavam os cabritos cujos estômagos, carregados de enzimas específicos, os franceses utilizavam na produção desse seu queijo.
Dessa colaboração, para além duma forte amizade dos franceses com o meu pai, resultou a sistemática chegada lá a casa desses queijos. Habituei-me, assim, a apreciar o Roquefort e até a estabelecer com ele uma relação de afeto muito grande que ainda hoje perdura.
É que através dele pude observar como o conhecimento que o meu pai tinha adquirido na então Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, o tinha tornado competente para resolver bem (muito bem segundo os franceses) um problema novo que, de certeza, nunca lhe fora colocado em nenhuma aula ou frequência na sua escola.
Digamos que foi a partir desse saber em ação que observei no meu pai, que comecei a atribuir ao que aprendia na escola um maior valor.
Anos mais tarde, já eu era estudante universitária de biologia, quando ao acompanhar o meu pai nas idas a uma pequena quinta da família dei comigo a perceber a inutilidade de um ensino só dirigido a uma aprendizagem focada na memorização de matérias e teorias: enquanto o meu pai continuava a resolver, usando o método científico, os problemas do pomar, da horta e até dos animais que o caseiro lhe ia apresentando eu, eu que sabia de trás para a frente as fases desse método, limitava-me a ouvir!
*Professora
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990