Aulas ou investigação? Em que universo se sente mais pleno?
Nas duas coisas. Gosto muito de aulas e de estar com os alunos. Gosto muito da combinação das duas coisas. Por isso é que tenho a possibilidade de não dar aulas, com este novo cargo, mas prefiro continuar a leccionar uma disciplina por semestre para não perder o contacto com os alunos. Gosto muito disso. Gosto de transmitir o que sei. Gosto da juventude e da energia dos alunos.
Tomou posse há cerca de ano e meio como director do CDRSP. Que balanço faz?
Quando esta nossa direcção tomou posse, tínhamos em mãos o processo de avaliação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O processo da FCT teve início em Janeiro, dois ou três dias antes de tomarmos posse. Esse foi o nosso foco até Setembro de 2024. Foi pensar no processo de avaliação, que tem muitas fases.
Mantiveram o grau de excelente atribuído pela FCT. Quais são os pontos fortes do centro que resultaram nesta qualificação?
Manter o grau de excelente agradou-nos muito. O centro está focado no fabrico aditivo. E, como alguns avaliadores nos disseram, há muitos centros do mundo que o fazem. O que nos diferencia é que nós trabalhamos desde objectos muito pequenos, como é o caso de alguns da engenharia biomédica, até a grandes paredes de cimento. O que nos diferencia é que fazemos fabrico aditivo em muitas escalas, [LER_MAIS]com muitos materiais e para muitos sectores. Quando os outros centros de investigação congéneres, pelo menos que eu conheça – e conheço bastantes pelo mundo – são focados numa só área. Ou na área médica, ou na área de construção, ou na área dos plásticos. Não são tão multifacetados e acho que é isso que nos diferencia e permite, entre outras coisas, manter o grau de excelente.
E que portas vos abre esta classificação?
Primeiro, é mais fácil ter parcerias com entidades externas e até com as internas. É mais fácil chegar às empresas. Não quer dizer que não seria também possível de outra maneira. Obviamente que seria. Mas é mais fácil chegar a universidades portuguesas, europeias e empresas. Abre portas ao mundo para nos afirmarmos como líderes na investigação em fabrico aditivo.
Referiu durante a tomada de posse que pretende reforçar a aproximação entre o CDRSP e o tecido empresarial da região. De que forma se tem materializado essa ligação?
Nós temos trabalhado nisso. De início, o nosso foco era a avaliação da FCT, porque era um processo que estava a correr. Mas fomos sempre trabalhando noutras coisas. Temos visitado empresas, continuámos processos que vinham do passado e temos contactado novas empresas, temos tentado fazer essa ligação, gerado novos projectos, com outras empresas e mantendo as que já tínhamos.
Quais são os sectores de actividade onde as competências do centro são mais solicitadas?
A maior parte das empresas com as quais trabalhamos são desta região, de Leiria e Marinha Grande, por uma razão óbvia – não só, mas também – que é a proximidade geográfica. Também temos empresas de fora, mas este é o nosso principal grupo empresarial. E procuram-nos de todas as áreas, desde os plásticos ao vidro, etc.
É comum a academia e a indústria trocarem críticas e dizerem que uma e outra continuam muito fechadas sobre si mesmas….
Acho que as principais críticas que as empresas fazem à academia, e não tanto ao contrário – e as empresas têm alguma razão quando o dizem- é que os tempos são diferentes. As empresas querem as coisas para ontem, com urgência, nós temos tempos diferentes. Nós não queremos as coisas para ontem, queremos as coisas com algum detalhe e às vezes um pouco de perfeccionismo. E depois, temos que encontrar este equilíbrio de ser mais expeditos, quando a contratação de bolseiros leva o seu tempo. Entre o CDRSP e as empresas não noto essa crítica de estarmos fechados sobre nós próprios. Não estamos. A crítica surge mais pelo tempo.
Que produtos têm chegado ao mercado, fruto da vossa investigação?
Temos trabalhado com a Corticeira Amorim, com a Vista Alegre e muitas outras empresas onde temos feito produtos em cortiça, vidro, cerâmica, etc. Não são propriamente produtos do CDRSP que tenham ido para o mercado com o selo da Corticeira Amorim ou da Vista Alegre, mas trabalhámos em conjunto, são produtos que têm o nosso contributo e que chegaram ao mercado. E há outros, que hão-de chegar.
E que valor têm as patentes?
Temos algumas patentes novas, outras pedidas e são sempre algo que é importante.
Disse que o CDRSP tem “uma forte preocupação com a sustentabilidade” e estava a criar um doutoramento em Engenharia Sustentável. Em que consiste este curso?
O doutoramento em Engenharia Sustentável de Produto e Processos já foi aprovado pela Agência A3ES, de acreditação de cursos. Vai entrar em funcionamento em breve, as candidaturas já se encontram abertas. É um curso de Engenharia Mecânica do século XXI, que pensa não só no produto, mas no produto de forma sustentável, como um todo. Desde o fabrico, o tempo de vida, à reciclagem e atendendo à sustentabilidade social. Quando eu era estudante, olhava-se para o produto só numa questão funcional. Agora, olha-se como um todo. Não só a parte funcional, mas toda a sustentabilidade a ele associada.
A generalidade das empresas da região tem princípios de sustentabilidade, ou para muitas não passa de um chavão?
Não posso responder por todas. Mas, pelo menos aquelas com as quais tenho trabalhado, estão genuinamente preocupadas com essa parte. Procuram-nos para aumentar sustentabilidade, reduzir consumos de energia, reduzir a pegada ecológica, garantir sustentabilidade social. Temos alguma experiência nessa área, pedem-nos ajuda e estamos a trabalhar com elas. E haverá outras com esse foco, certamente.
A fuga de cérebros em Portugal é apontada como um problema na nossa ciência. Também o CDRSP se tem confrontado com a saída de investigadores para outros países?
Confrontamo-nos com a saída de investigadores. Se é para o exterior, não se sabe muito bem. Confrontamo-nos às vezes com a dificuldade de atrair cérebros para o CDRSP. Não é só manter, às vezes também temos dificuldade em captar. Temos uma equipa muito boa, mas temos necessidade de a aumentar e nem sempre é fácil. Estamos bem localizados, bem equipados. O problema pode ser uma questão de competição com outras instituições, porque as tabelas de remuneração pública são exactamente as mesmas em todo o País. Por isso, não se trata de uma questão financeira. Mas quando vão para o estrangeiro, também pesará essa parte financeira.
Quanto a projectos futuros, que trilhos quer percorrer o CDRSP nos próximos anos?
Tal como disse também aquando da tomada de posse, queremos reforçar a nossa investigação na área biomédica, queremos chegar à área clínica. Foi uma das nossas propostas à FCT, para realizar entre 2025-2029, e estamos a trabalhar nisso para chegar a bom-porto. O objectivo é criar um grupo europeu da área biomédica, com vários centros de investigação, para ajudar a investigação a chegar à componente clínica mais depressa. É normal que a área clínica seja lenta, e ainda bem, porque garante mais segurança no produto que chega aos pacientes. Portanto, temos que tentar ser rápidos sem descurar a segurança. E é uma forma de internacionalizar ainda mais o CDRSP. Neste momento, já estamos a liderar um projecto europeu na área biomédica, com parceiros belgas, neerlandeses e italianos.
Rui Rúbem nasceu há 49 anos em Lisboa. Licenciou-se, fez mestrado e doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. Foi ainda durante o mestrado que teve a sua primeira experiência como docente, também no Técnico. A partir de 2001, e até ao presente, tem desenvolvido o seu percurso profissional na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, no Instituto Politécnico de Leiria. Investigador no CDRSP desde 2009, particularmente interessado na área da Biomecânica Computacional, Rui Rúben tomou posse como director deste centro em Janeiro de 2024. Apaixonado por Lisboa, admite que foi sempre muito bem acolhido em Leiria, cidade onde gosta de morar. A Marinha Grande foi também uma boa descoberta, conta o director do CDRSP. Sem automóvel, Rui Rúben é fã das deslocações em transportes públicos, uma das boas práticas que trouxe dos tempos de Lisboa. Natação e leitura estão entre os seus principais passatempos, assim como assistir a um bom jogo de rugby. O gosto ficou do período em que tentou ser praticante. Quinze dias bastaram para voltar para a natação e para treinos fisicamente menos exigentes, recorda Rui Rúben em jeito de graça.