A electricidade, a estrada, a água, as comunicações… Tudo chegou mais tarde a São Bento. Em alguns lugares, a água está ainda para chegar. A promessa é que durante 2021, ano de eleições autárquicas, o abastecimento à freguesia, e consequente ao concelho de Porto de Mós, fique concluído. Os mais velhos, de tanto ouvirem a promessa, já estão como São Tomé… “Ver para crer”.
Mas, se os sinais do progresso têm tardado em São Bento, a beleza da paisagem e a tranquilidade mantêm-se intocáveis ao longo dos tempos e estão a atrair novos moradores. Gente que vem das cidades à procura do contacto com a natureza, seduzida pela tranquilidade de uma terra onde parece que o tempo anda mais devagar.
“É uma zona calma para se viver e há cada vez mais pessoas que valorizam isso”, diz Tiago Rei, presidente da Junta desde 2017, que acredita que os próximos Censos, a realizar em 2021, irão atestar a percepção que tem de que a população da freguesia está a aumentar, à conta, sobretudo, de pessoas de fora que aí se estão a radicar.
Para já, o único dado estatístico vem da Câmara de Porto de Mós, segundo a qual, desde 2018, houve “cerca de 40 pedidos de licenciamento de processos de obras de construção ou recuperação” de habitação na freguesia. Perdida no planalto de Santo de António, São Bento, é juntamente com Abiul (concelho de Pombal), uma das duas freguesias do distrito classificadas como território de baixa densidade.
Durante anos, viu partir muitos dos seus residentes. Uns emigraram, outros partiram para outras vilas e cidades, como aconteceu com três dos quatro filhos de Maria Vitória Rei, de 81 anos, residente na aldeia de Covões Largos.
Apenas o “rapaz” mais novo, que já passou dos 30 anos, ainda vive na freguesia. “Não o arranco daqui”, diz, entre risos, a mulher, que há cerca de dois anos ganhou um novo vizinho: António Fael, natural de Leiria, que se mudou com a esposa Lina para a aldeia e que já está perfeitamente integrado na comunidade local. “É como se fosse família”, diz Vitória Cortes, de 70 anos, com quem nos cruzamos durante a visita guiada que António Fael que nos faz pela aldeia.
Durante o percurso, António Fael [LER_MAIS]refere que “aqui tudo chegou mais tarde” e que essas circunstâncias fizeram da comunidade local uma população “resiliente, habituada a viver com o que tem e a ser autosuficiente”.
Conta, por exemplo, que em Covões Largos, para terem acesso à rede de electricidade, as pessoas tiveram de se juntar e pagar do seu bolso. “Fomos dos últimos. E a água, só chegou há quatro anos”, acrescenta Maria Rei.
Antes de se radicar em Covões Largos, que considera “o lugar mais bonito de São Bento”, já há muito que António Fael calcorreava essas paragens como amante da natureza e praticante de espeleologia.
“Desde os 16 anos [idade que tinha quando ajudou a fundar o Núcleo de Espeleologia de Leiria] que percorro esta zona à procura de novos mundos no subsolo”, conta o engenheiro mecânico, que actualmente trabalha com a mulher como guia turístico. Pelo meio, viveram uma temporada em Casal de São Simão, Figueiró dos Vinhos.
Mas, o futuro passa agora por São Bento, onde já compraram terreno para construir uma casa, em frente à moradia arrendada onde vivem. “É aqui que queremos ficar. O nosso de projecto passa por Covões Largos”, afiança António Fael.
Segundo o presidente da Junta, nos últimos tempos, “meia-dúzia” de pessoas adquiriram propriedades na freguesia e estão agora “à espera de recuperar as casas para se mudarem”, uns como residência fixa outros como segunda habitação.
É esse o caso de Afonso Reis, que trabalha no ramo do imobiliário em Leiria e que já tem escritura marcada da casa e do terreno que comprou na zona sul de São Bento, uma freguesia que conhece “há muito” por força da paixão que tem pela corrida em montanha.
Quando um amigo lhe identificou a propriedade, não conseguiu resistir. Para já, a sua intenção é usá-la como segunda habitação, mas, se o projecto tem pensado para o local na área agro-florestal evoluir como sonha, talvez altere os planos.
Foi isso que aconteceu com Estrela Figueiredo, bióloga natural de Coimbra, que antes de se mudar para São Bento, mais propriamente para a aldeia da Paiã, viveu 20 anos em Lisboa. Começou por vir apenas aos fins-de-semana, mas quando, em 2008, se desvinculou do emprego que tinha na capital, acabou por se fixar na aldeia. “
Preferi um local mais calmo e sem trânsito”, conta a bióloga, de 57 anos, que aponta a beleza da paisagem e a tranquilidade como os factores que mais contribuíram para a decisão que tomou. Admite ainda que o facto de São Bento “não ser longe” de Lisboa – “inicialmente era só para passar finsde- semana” – e de estar inserida num parque natural também pesaram na hora de se mudar para a freguesia.
Pontos negros num quadro verdejante Mas o quadro que Estrela Figueiredo pinta de São Bento não se faz apenas em tons de rosa (ou talvez o verde seja a expressão mais adequada atendendo à paisagem que caracteriza a aldeia e que se mantém quase durante todo o ano).
Nessa tela, existem também alguns pontos negros, que representam problemas que dificultam a vida a quem reside na Paiã. A bióloga assinala-os: “não há água canalizada. As estradas são péssimas. Não há transporte público, nem sequer no horário escolar, essencial para quem tem filho, e demorámos perto de 40 minutos de viagem até aos serviços básicos de saúde mais próximos do concelho”. “Há anos que pedimos água canalizada e o arranjo da estrada”, reforça a moradora.
A Paiã é um dos seis lugares de São Bento ainda sem sistema público de abastecimento água, uma realidade que a Câmara de Porto de Mós quer reverter no próximo ano, tendo incluído no orçamento, recentemente aprovado, a conclusão da rede na freguesa e, consequentemente no concelho. Um investimento que, reconhece o município, vem “com mais de uma década de atraso”.
Neste momento, está em curso mais uma fase de alargamento da rede, desta feita aos lugares de Fontainhas e Pia Carneira, permitindo o acesso à rede de água a mais 52 domicílios.”Fica a faltar a Paião, Moita do Açor, Covas e Casal de Santo António”, enumera o presidente da Junta, que defende também que, em sede de revisão do Plano Director Municipal, sejam feitos “ajustamentos”, levantando algumas restrições em zonas que estejam infra-estruturadas.
O mesmo reparo faz António Fael, que aponta o dedo às sucessivas direcções do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que “têm adoptado uma política restritiva, parecendo ignorar que este território é lindo porque as pessoas cuidaram dele”.
“Se não estivesse humanizado, não estava assim”, afirma o morador, que chama também a atenção para as deficiências ao nível da cobertura da rede de telecomunicações. Um problema que, nos últimos meses, motivou protestos da população que levaram a Altice a prometer mais investimentos.
“Aumentou o sinal da antena, mas ainda há falhas”, refere aquele morador. Mas, quando António Fael percorre a aldeia que o acolheu e olha a beleza que o envolve, não há falhas que lhe tirem o sorriso do rosto. “É um cantinho maravilhoso. Que o Homem o saiba preservar.” Que assim seja.