Demorou mais de 150 anos a ser construído, recorrendo, por vezes, à pedra extraída das pedreiras da região da Batalha. Mandado erigir pelo rei D. João I, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória é uma das mais belas obras da arquitectura portuguesa e europeia. O estilo gótico predominante deu o mote para muitas outras construções futuras.
Considerado monumento nacional, o Mosteiro da Batalha integra a lista do Património da Humanidade definida pela Unesco, desde 1983. “Dois critérios estiveram subjacentes à atribuição: é uma das obras-primas absolutas da arte gótica e durante mais de dois séculos foi um estaleiro importante da monarquia portuguesa. As características mais importantes de uma arte nacional
foram aí estabelecidas, tanto no período gótico como no Renascimento”, explica Joaquim Ruivo.
O director do Mosteiro da Batalha acrescenta que “a sua integridade e autenticidade são características fundamentais”. “Das maiores evidências desta classificação é a constância nos apoios dados para reabilitação e conservação. Por exemplo, o claustro que foi todo limpo e tratado, numa intervenção que era urgente”, salienta, referindo que a intervenção realizada ao fim de 100 anos ofereceu o “esplendor que o claustro nunca teve”.
Isto, porque, como diz o também historiador, um claustro demorava 50 anos a construir, pelo que quando estava concluído, a pedra já precisava de ser intervencionada. “Todos nós gostamos de ver um monumento quando é tratado e cuidado e o estatuto dos monumentos património da humanidade têm essa necessidade de preservar, reabilitar e conservar. É uma exigência da Unesco”, afirma Joaquim Ruivo.
O estatuto de património mundial deu-lhe a visibilidade internacional que merecia e a Unesco garantiu a sua manutenção e reabilitação constantes”.
De dois em dois anos, é elaborado um relatório, que permite uma reflexão sobre o estado do monumento e as suas condições de gestão. Este documento é também um farol para garantir o selo Unesco, mas também para manter o Mosteiro da Batalha como um ex-libris mundial, sobretudo, na arquitectura gótica.
Em todos os relatórios, há um reparo da Unesco: a proximidade com o IC2 e a circulação de cerca de 20 mil veículos, muitos deles pesados. “Não perdemos o estatuto pela estrada, porque já existia”, mas essa foi uma das indecisões da altura para a atribuição da distinção. No entanto, foi dada a garantia de que seria construída uma nova estrada e o trânsito seria desviado.
A19 foi edificada, mas a recusa dos sucessivos governos em isentar as portagens mantém os automóveis no IC2 e a consequente poluição instalada nas paredes desta obra património da humanidade. “A poluição e os gases são evidentes nas fachadas, que estão mais escuras. Se está mais escuro significa que os gases estão ali infiltrados”, constata o director.
Joaquim Ruivo defende intervenções mais regulares, o que minimizaria uma degradação maior. “Não há uma política patrimonial
de conservação preventiva, que permitiria manter sempre o monumento com um aspecto cuidado”, afirma, reconhecendo que a realização amiúde de obras poderia evitar intervenções muito profundas, de centenas de milhares de euros.
Estaleiro da inovação
O Mosteiro da Batalha foi um verdadeiro estaleiro da inovação arquitectónica. “Tudo o que se fez de inovador foi feito aqui de 1387, até 1530/35. Os grandes mestres internacionais foram contratados para virem trabalhar aqui”, conta.
O claustro é um dos esteticamente mais bem concebidos da arquitectura gótica, que integra ainda toda uma decoração manuelina, que é posterior 100 anos. “A génese do manuelino está aqui. Aquilo a que chamamos estilo manuelino, mas que não é estilo nenhum, uma derivação do gótico na passagem para a época moderna. Tudo aqui vai influenciar o Mosteiro dos Jerónimos e a janela do Convento de Cristo em Tomar.”
“Esta é uma obra extraordinária do engenho humano”, garante Joaquim Ruivo, realçando a sala do Capítulo, a maior do seu tempo construída sem pilar central. As alterações climáticas e o impacto que têm nos monumentos são um dos desafios que os responsáveis por estas infra-estruturas históricas têm pela frente.
O estatuto que a Unesco conferiu ao Mosteiro da Batalha deu-lhe um reconhecimento internacional, que tem atraído milhares de pessoas. Até Setembro deste ano, registaram-se 280.634 visitantes.
Apesar de todos os estudos, mestrados ou doutoramentos que têm sido feitos ao longo das décadas, dos congressos e encontros científicos internacionais realizados, Joaquim Ruivo revela que é necessário continuar a estudar o Mosteiro da Batalha, que ainda tem muitos segredos por revelar. “A minha preocupação foi também estudar o monumento sob o ponto de vista estrutural e geofísico. Conhecer o que está por baixo, sem ter de abrir e fazer arqueologia invasiva”, avança, referindo sondagens e monitorizações que têm vindo a ser realizadas no local. Um destes estudos revelou que o túmulo de D. Filipa de Lencastre foi transladado da Capela do Sousa para a Capela do Fundador.
Várias publicações estão para ser editadas, entre elas um livro de fotografias do funcionário mais antigo do monumento. Luís Ceiça é guardião do Mosteiro da Batalha há 42 anos. Aos 66 anos e quase a entrar na reforma, este descendente do historiador José Hermano Saraiva defende o mosteiro como se fosse a sua casa.
Tem milhares de fotografias e já acompanhou grupos de pessoas de diferentes nacionalidades e individualidades nacionais e internacionais de renome como o ex-secretário das Nações Unidas, Kofin Annan, reis, bispos, primeiros-ministros e Presidentes da República.
“Os espanhóis adoram o render da guarda, na sala do soldado desconhecido. Talvez por terem passado pela sua guerra civil. Quando vêm não saem daqui sem verem os militares”, afirma, recordando, as histórias que ouviu e contou e tudo o que aprendeu ao longo de quatro décadas. Apesar da sua humildade e de se assumir como uma pessoa que não estudou línguas, Ceiça é também ele um ex-libris do mosteiro.
“Desde que chegou fez um pouco de tudo e foi também responsável pela conservação e manutenção do mosteiro. É um funcionário basilar no funcionamento do mosteiro, não só pela forma como recebe os visitantes, como por toda a história que registou fotograficamente”, afirma Joaquim Ruivo.
Vive intensamente tudo o que envolve o monumento e “ficava danado” quando as pessoas entravam no mosteiro à procura de Nossa Senhora de Fátima. “Era Fátima que era conhecida no Mundo”, constata.