As aulas começaram esta semana na maioria dos estabelecimentos de ensino com cerca de 80 mil estudantes sem professor a uma ou mais disciplinas em todo o País. Mas, esta não é a realidade na região de Leiria, onde a grande maioria das escolas tem o quadro de docentes completo, com situações pontuais de falta de professores ou relacionadas com baixas médicas, que entretanto serão solucionadas.
“Comparando com outras regiões, como Algarve ou Lisboa, estamos no cantinho do céu”, afirma Diogo Alves, director do Agrupamento de Escolas (AE) IV Conde de Ourém.
O custo de vida, sobretudo, em Lisboa e no Algarve, em contraste com a centralidade de Leiria são argumentos que pesam na hora da escolha dos docentes, que, ao mesmo tempo, procuram ficar mais próximo da família. E nem a quantidade significativa de professores que se aposentou entre Janeiro e Setembro (ver infografia) deixou muitos alunos sem aulas na região.
Não obstante, Jorge Dias, director do AE Dr. Correia Mateus, em Leiria, alerta para o envelhecimento do corpo docente. “A média de idades ronda os 56 anos e professores com menos de 40 anos, nem vê-los”, constata.
Rita Cardetas é de Coimbra e ficou colocada no AE de Marrazes, no concelho de Leiria, através da vinculação dinâmica, uma nova ferramenta que o Governo apresentou este ano para vincular professores, mas que os obrigará a concorrer de novo no próximo ano e a nível nacional.
No entanto, a professora de Educação Especial tem uma certeza: “não volto para Lisboa”. Segundo Rita Cardetas, “o problema não são as escolas”, mas o custo de vida elevado e, sobretudo, a distância da família, que a professora admite tê-la prejudicado ao longo dos seus 22 anos de docência.
A centralidade de Leiria parece ser uma vantagem para as escolas da região, permitindo que professores da zona centro acabem por se candidatar a um lugar nas centenas de estabelecimentos de ensino do distrito e do concelho de Ourém (distrito de Santarém).
Rita Cardetas, Catarina Cardoso, professora de Educação Especial, e Samuel Neves, docente de Educação Física, fazem diariamente cerca de 164 quilómetros e três horas de viagem entre a região de Coimbra, onde residem, e o AE de Marrazes, onde este ano ficaram colocados. “É melhor Leiria do que Pampilhosa da Serra ou Abrantes”, exemplificam, com alguns concelhos que integram o quadro de zona pedagógica a que pertencem.
Graça Araújo chegou este ano à escola do 1.º ciclo ‘Amarela’ do AE D. Dinis. Trocou Lisboa por Leiria por uma “opção de vida”. “Pertenço a uma congregação religiosa e quase todos os fins-de-semana ia a Fátima. Em conjunto com a minha família optámos por comprar casa em Ourém e pedi mobilidade interna. Não fiquei perto de casa, mas estou próximo”, conta.
Docente há 26 anos, Graça Araújo era professora na Grande Lisboa, numa escola que ficava a cerca de cinco minutos de casa. Agora está um pouco mais longe da residência (Ourém), mas mais perto do local que lhe garante conforto espiritual.
Falhas pontuais
No arranque do novo ano lectivo, o JORNAL DE LEIRIA contactou 18 agrupamentos de escolas e secundárias da região de Leiria. Poucos são os estabelecimentos de ensino, onde há alunos sem aulas. Na Escola Secundária Domingos Sequeira a situação “mais crítica é no grupo de Geografia”.
Segundo o director António Pedro, nesta primeira semana de aulas “duas a três turmas não vão ter professor” daquela disciplina. Para Economia e Contabilidade também falta preencher um lugar.
No AE Dr. Correia Mateus, em Leiria, falta um docente de Educação Especial, enquanto no AE da Batalha estão quatro professores em falta para uma turma de pré-escolar, duas de Economia e três de Filosofia.
No AE IV Conde de Ourém, na segunda-feira de manhã faltavam cinco professores, mas a expectativa é que até ao final desta semana a situação fique resolvida.
A disciplina de Inglês do 2.º ciclo foi a situação “mais complicada”, reconhece o director Diogo Alves, que diz que as falhas neste início do ano lectivo estão dentro do que habitualmente acontece.
O AE de Porto de Mós iniciou as aulas com dois horários completos por preencher – Português e Filosofia. Os dois professores em falta afectam seis turmas. Faltam ainda preencher algumas horas de Informática, que irão tentar resolver com os recursos existentes com a redistribuição das horas pelos professores já colocados, refere o director Pedro Vala.
No AE Rafael Bordalo Pinheiro, em Caldas da Rainha, o director Jorge Pina afiança que estão à espera de candidaturas para cinco professores de Matemática e Português, uma vez que “são horários de poucas horas”.
Luísa Sardo, directora do AE de São Martinho do Porto, adianta que “faltam dois professores, para as áreas de Desporto e de Informática, para substituição de dois docentes, que faltam por motivos de doença, o que afecta dez turmas”, mas durante esta semana a situação deverá ficar resolvida.
Faltam auxiliares
No AE de Marrazes, a hora de saída dos alunos é uma azáfama para as funcionárias. Enquanto esteve na portaria, o JORNAL DE LEIRIA presenciou a dificuldade da única auxiliar em controlar os alunos, os pais, funcionários de tempos livres, a entrada de táxis para o transporte de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) e ainda atender o telefone que não pára de tocar.
A simpatia e meiguice com que tratam os alunos é visível e salta à vista o empenho que colocam em todas as tarefas, quase humanamente impossível de cumprir ao mesmo tempo.
A “grande carência” de assistentes operacionais é mesmo o principal problema apontado por quase todos os directores das escolas, que reconhecem, contudo, o esforço que as autarquias estão a fazer no concurso para a contratação de mais pessoas.
“Faltam-nos seis auxiliares. A câmara vai colocar dois, mas ainda faltarão quatro. Estamos no limite mínimo e com “vários meninos com NEE, para os quais também não há assistentes operacionais”, revela Jorge Dias, director do AE Correia Mateus.
Os directores do AG Henrique Sommer e da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, reclamam do mesmo problema. “Vão colocar-nos dois assistentes, mas precisamos de, pelo menos, mais cinco. A nossa maior preocupação são os alunos NEE, que necessitam de um acompanhamento muito próximo. Estas limitações, a que acresce a falta de assistentes técnicos, já se arrastam há algum tempo e são difíceis de resolver”, adianta Jorge Bajouco, responsável pelo AE da Maceira.
Este docente destaca o “esforço da Câmara de Leiria” para ajudar a colmatar as falhas das escolas, mas avisa que também há “falta de mão-de-obra”.
“É preciso encontrar outros mecanismos, como através de programas ocupacionais ou de imigrantes, que necessitam de emprego, criando bolsas onde se possa recorrer.”
Rui Domingues, sub-director do AE Rainha Santa Isabel, considera que as baixas médicas de assistentes operacionais, “algumas prolongadas”, são um problema. A solução tem sido recorrer à junta de freguesia. “É uma situação muito preocupante e não é momentânea. A idade das pessoas que estão a trabalhar há cerca de 20/25 anos está acima dos 60 anos e há fragilidades próprias da idade”, acrescenta, ao alertar que há, pelo menos, duas crianças com NEE a “descoberto” de assistentes.
Perfil
Apoiam os filhos dos outros
Além de professores, são pais e mães, que continuam a fazer quilómetros longe de casa por amor à docência. Apoiam os filhos dos outros, mas têm prejudicado os seus por terem escolhido ser docentes. Rita Cardetas recorda que no início da sua carreira foi dar aulas para Santo Tirso, deixando a filha de 11 meses em Coimbra. Tal como Rita, também Cristina Cardoso fez o “sacrifício” de estar em Lisboa a leccionar para “obter tempo de serviço”. Docentes este ano nos Marrazes têm de contar com a ajuda da família e amigos mais próximos para as boleias com os filhos. Com uma criança de 3 anos em casa, Samuel Neves lamenta falhar o acompanhamento inicial no pré-escolar. A filha mais velha, de 12 anos, absorve-o para passar o máximo de tempo com o pai.