Meu caro Zé,
Há vários acontecimentos que me têm lembrado algumas afirmações do meu saudoso pai, brincalhão, mas certeiro no que dizia. Uma delas era: “Se roubas 20 escudos és um gatuno, se roubas um milhão fizeste um desvio!”.
Curiosamente, há dias, Rui Rio veio dizer que o “quem não deve não teme” já não chega, porque, dado o clima em que se vive, “mesmo quem não deve tem de temer”!
É a silly season no seu melhor? Será? Para responder a isto lembrei-me de um amigo que evitava pôr dinheiro no banco, preferindo dever ao banco. E a certa altura afirmou: “Já tenho o banco nas mãos. Já devo um milhão de contos!”.
Esta frase ainda mais a [LER_MAIS] crescenta à ideia de completa silly season. Mas será mesmo? É que, se virmos bem, veja-se como é que os bancos (e o Estado e o Fisco) tratam os grandes devedores e os pequenos devedores, com perdões fiscais e adiamentos que não acabam para os “grandes” e o congelamento de contas ou penhoras imediatas de salários para os “pequenos”.
Afinal parece que ainda teremos de alterar a frase de Rui Rio, passando a ser, pelo menos para alguns, aplicável a ideia de que “quem deve (muito) não teme!”.
Este tratamento “democraticamente igualitário” lembrou-me a anedota, pós Muro de Berlim, em que um polaco e um russo fizeram um negócio comum. Na hora da repartição dos ganhos, o russo sugeriu que a repartição se fizesse “como irmãos”!
Mas o polaco, avisado pela experiência histórica, retorquiu: “Como irmãos não! Fifty-fifty!” (já falavam ambos inglês!).
Substituamos “irmãos” por “cidadãos” e estaremos conversados.
Mas o meu pai, subtilmente, escrevia a operação de repartição de outro modo. E o que tinha o monte de dinheiro em frente, começava a distribuição: “Pataca a mim, pataca a ti, pataca a mim…” e parava! Está bem? E recomeçava até esgotar o monte.
Esta veio-me à memória durante uma sessão em que, alegadamente, se discutia o financiamento da cooperação e lá se invocava a famosa silver bullet que diz resolver todos os acordos: win-win (já todos sabemos inglês!). E pronto!
Com win-win temos garantidas as condições necessárias e suficientes para a cooperação! Só que poucos win um milhão e a maioria win um “tostão”! É certo que ambos ganham… mas… Ao menos, na anedota de meu pai a proporção seria de dois para um! Isto será um “sonho de verão” ou um percalço que acabará com a silly season? Mas onde está a season não silly? (continuamos todos a saber inglês!).
Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990