Esta coisa das chamadas eleições autárquicas está a dar-me a volta à cabeça, porque é um enorme e ignorado desafio à Ciência Política (cada vez menos estudada com verdadeiro rigor), em particular pelo modo como a campanha está a ser conduzida e pelas espantosas afirmações que todos os dias se ouvem e veem (na televisão).
Base de partida que parece consensual: as eleições autárquicas não têm nada a ver com as legislativas. São questões locais e como tal devem ser entendidas. Lá vem o líder da oposição dizer que os resultados, mesmo que maus, não têm nada a ver com a sua posição de oresidente ou o primeiro-ministro também a afirmar (na noite de 6ª feira passada na TV) que as eleições autárquicas têm caraterísticas locais, mas não têm influência na política nacional.
Só que, no sábado de manhã, confrontado com o “famoso” (existente ou inexistente?) relatório sobre Tancos e seus potenciais efeitos sobre a posição do ministro da Defesa, afirmou, sem qualquer rebuço, que não tratava desses assuntos em época eleitoral.
Mas a época eleitoral não é para as autarquias, as tais que não têm que ver com a política nacional em sentido lato? Não têm? Então porque é que os líderes se afadigam pelo país fora, dando beijinhos e abraços às populações, tornando-se os principais figurantes das “arruadas”, deixando na sombra os candidatos locais, aqueles que devem ser os protagonistas da campanha e que se apagam perante os líderes partidários.
E estes, quando falam, e falam sempre, não deixam de aproveitar referir, em eleições que dizem nada ter a ver com a política nacional, os grandes sucessos dessa política (os afetos ao Governo) e outros (os da oposição), aproveitando certos “erros” ou “falhas” que entretanto estejam a ser atribuídos à governação.
[LER_MAIS] Tudo isto é surrealista e evidencia bem a partidocracia que em Portugal parece estar a substituir a democracia e, sobretudo, a falta de pensamento e de análise política que são os seus sustentáculos.
A título de exemplo, vai uma pergunta: A dívida da República Portuguesa saiu do “lixo” no rating de uma das famosas agências e todos procuraram mostrar como era grande o sucesso! Pois é! Só que os juros da dívida a 10 anos caíram para pouco mais de 2,3% e todos bateram palmas! Não se devem ter dado conta de que em 12 de março de 2015 essas taxas atingiram 1,509%.
Os mais conscientes dirão, e bem, que não chega comparar os valores absolutos porque a conjuntura nessa altura apontou genericamente para juros mais baixos. Só que quanto comparamos as diferenças entre as taxas portuguesa e alemã nas duas alturas, a confrontação continua a ser favorável a março de 2015. E não se discute isto? Que fazem os gabinetes de estudos dos partidos? Em “lixo” estava-se melhor que “fora do lixo”, ou é simplista demais usar esse acontecimento para tirar conclusões que não podem ser tiradas e procurar influenciar eleições locais?
Valha-nos ao menos o que eu ouvi na TV, num concelho em que as pessoas, na generalidade, afirmaram que não votaram nos candidatos dos seus partidos mas naquela pessoa, por ser quem era! E é isto, afinal, que deve estar em jogo nas eleições autárquicas. Será possível?
Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito de acordo com a nova ortografia