Resiliência é a palavra que vem à cabeça de João Sales quando fala da história do skate em Leiria. Desde os anos 80 que as tábuas de madeira sobre rodas invadiram a cidade e já não quiseram sair, mesmo após várias tentativas de as colocar à margem, por serem consideradas “ruidosas e transgressoras”.
A comunidade ao redor desta modalidade ainda se lembra do primeiro half-pipe construído no Bairro dos Capuchos, que daí foi desviado para junto das piscinas municipais. O antigo edifício da Sarvinhos e o Vidigal foram também locais que conheceram a passagem destes outsiders, que só queriam um local onde pudessem deslizar entre rampas e degraus, em liberdade e sem discriminação. Porque, em cima de num skate, “não há discriminação”.
Quatro décadas após a afirmação dos skaters em Leiria, a cidade é conhecida mundialmente pela excelência para a prática desta modalidade e a Fonte Luminosa ocupa um lugar central nesta comunidade, ‘casa’ onde muitas vezes os atletas se puderam refugiar, enquanto procuravam morada própria.
Este desporto, que assume também a faceta de cultura e modo de vida, deu-se a conhecer igualmente às crianças e jovens de Leiria, através do Festival PUSH, o primeiro no País dedicado inteiramente ao skate.
Na manhã de quinta-feira, centenas de crianças da Escola Amarela e da Escola Branca visitaram o Parque do Avião e algumas pela primeira vez, tiveram a oportunidade de subir a uma tábua.
A manhã destas crianças arrancou com uma visita à exposição ‘40 anos de skate em Leiria’, no Mercado de Santana, que reuniu fotografias captadas desde os anos 80 até à actualidade e que explicou a evolução da modalidade na cidade. Antes do almoço, as crianças tiveram a oportunidade saltar para cima das pranchas de madeira e aprender as regras básicas para manter o equilíbrio.
Pé direito à frente e joelhos dobrados são as regras de ouro para quem quer experimentar a modalidade e o entusiasmo nos olhos destas crianças era perceptível.
Membros da NoComply – Associação de Skate de Leiria, uma das impulsionadoras do evento, estiveram toda a manhã a ensinar manobras e truques simples que podem ser realizados com um skate. Mais do que isso, ensinaram que o skate “é uma espécie de ferramenta social”.
O medo não habitou aquela actividade e as crianças quiseram arriscar. Com toda a segurança, deslizaram para a frente e para trás, subiram rampas, experimentaram truques e repetiram, prova de que a modalidade captou a atenção destes jovens.
“Queremos mostrar às crianças que, ao pisarem num skate, não são só skaters de Leiria, são skaters do mundo. Elas podem viajar com o skate debaixo do braço, têm sempre as fronteiras abertas e falam a mesma linguagem de todos os outros skaters”, resume João Sales, presidente desta instituição leiriense.
Vasco Dinis, de apenas seis anos, foi um dos mais entusiastas naquela manhã. Esta não foi uma experiência nova, porque, com quatro anos, já tinha experimentado. “Faço anos para o mês que vem e quero pedir um skate”, garantiu o rapaz, que gostou mais de fazer as manobras.
No final da aula, também Cecília Vieira, que está prestes a fazer sete anos, ficou decidida em pedir aos pais um skate para o seu aniversário. “Andei de skate e repeti várias vezes”, congratulou-se. Já na filinha indiana para regressar à Escola Amarela, e depois de ouvir um colega a dizer que a sua irmã não anda de skate “porque é menina”, retorquiu: “Toda a gente pode andar de skate”.
A mensagem de que o topo de um skate é um lugar de igualdade e confraternização foi transmitida às crianças de Leiria, que regressaram à escola com vontade de repetir.
O Festival PUSH contou ainda com aulas gratuitas dentro das escolas da cidade, além de workshops de fotografia e vídeo, palestras com convidados ligados à modalidade e, claro, uma demonstração deste desporto, que decorreu na Fonte Luminosa.
Skate pode seguir várias vias
O skate já é reconhecido como um desporto olímpico e, nos últimos anos, tem crescido a olhos vistos. Contudo, na óptica de João Sales, nem todos os praticantes se identificam com a via desportiva. Podemos ser artistas plásticos, fotógrafos, videografos ou, simplesmente, construtores. Temos muitas vias para explorar à volta do skate.”
Por isso, a associação à Federação de Patinagem de Portugal não agrada a todos os skaters. “A cultura é completamente diferente. As pessoas que estão à frente da federação não estão identificadas com os nossos hábitos e meios. Celebramos o skate como uma festa, não como um desporto de regras e de imposições.”
Ainda assim, o também construtor de skatesparks reconhece a importância de ter os praticantes “organizados de forma profissional e desportiva”, apesar de o preferir através de outras soluções.