Ora, como trabalho com alunos, isto é, com o futuro, sempre considerei esta ignorância inadmissível e por isso me dispus, ao longo da minha vida, a aprender conceptualmente sempre mais qualquer coisinha sobre o assunto.
Lembro-me de que por volta do ano 2000, quando comecei a ouvir falar das startups, esse tema me ter interessado. Percebi que essas empresas “futuristas” emergiam no seio de uma incubadora suportada em coisas humanas: na criatividade; na capacidade de inovar e de conceber projetos lucrativos e sustentáveis, sedutores para os investidores; na capacidade para agir e reagir num ambiente de incerteza; na tecnologia capaz de desmaterializar os negócios; no trabalho de equipas multidisciplinares com competência para se autorregularem.
De facto, como poderia ignorar essas startups se à minha frente, na sala de aula, eu tinha, nos meus alunos, todos os recursos de que precisava para que elas se tornassem no futuro, nas mentes e mãos dessas crianças, possibilidades reais de trabalho?
Como poderia ignorar as potencialidades das startups no combate às limitações impostas aos portugueses pela pobreza periférica do seu país? Como, nessa altura, não me podia sentir apaixonada pela Reorganização Curricular de António Guterres se ela previa, em três novas áreas curriculares, apetrechar os alunos com as ferramentas que lhe viriam a ser necessárias no século XXI?
[LER_MAIS] Nessa reorganização, enquanto na Área de Projeto, se visava a conceção, realização e avaliação de projetos, através da articulação de saberes de diversas áreas curriculares, no Estudo Acompanhado, promovia-se a autonomia na aprendizagem e na Formação Cívica visava-se a formação de cidadãos responsáveis, críticos, ativos e intervenientes.
Infelizmente, muito por culpa dos professores e dos pais adeptos de uma escola do século XIX e de políticos conservadores, tudo isso acabou. Como consequência questiono-me: que portugueses estarão hoje, em Lisboa, no Web Summit a apresentar num “pitch” eficaz as suas startups?
Os dotados à nascença para tal ou os que aprenderam na escola, também para tal, a ser competentes? Tenho para mim que serão os primeiros a lá estar!
De facto, continuo a sentir a escola como apenas capaz de, ao centrar o seu trabalho na transmissão de conteúdos disciplinares, transformar as desigualdades sociais e culturais em desigualdades escolares e assim, assegurar a perpetuação dos privilégios com que alguns já nasceram ou foram criados!
Ai, não tivesse eu sido escolarizada em Portugal e hoje também estaria no Web Summit, em Lisboa, a apresentar um projeto inovador, uma startup!
Seria uma escola para professores e chamar-se-ia “Professor aluno”, nem todos os candidatos lá conseguiriam entrar, mas se entrassem e tivessem sucesso nas suas aprendizagens, jamais precisariam de ser avaliados, individualmente e pelo lado de fora.
Sim, seriam mestres a autoavaliaremse, sentir-se-iam eternamente aprendentes, saberiam trabalhar em equipa. Não, não temeriam sair do passado, não teriam medo de arriscar para preparar o futuro!
*Professora
Texto escrito de acordo com a nova ortografia