“Lembro-me de lhe ter dito que não sabia bem se o meu lugar era no jazz”, conta Estela Alexandre, sobre as primeiras aulas com o pianista Filipe Melo, em Lisboa. A antiga aluna do Orfeão de Leiria é a vencedora do segundo Concurso Internacional de Composição Musical de Leiria, promovido pela Leiria Cidade Criativa da Música. Concorreu com o pseudónimo Leuzea Longifolia – nome da planta protegida por microreserva nos Pousos – e ganhou com a obra “Senhora do Monte”, escrita, precisamente, para orquestra jazz, de acordo com o regulamento: quatro trompetes, quatro trombones, cinco saxofones, bateria, contrabaixo, guitarra, piano e vibrafone.
“Fala de muitas outras coisas e de muitas outras paisagens de Leiria”, esclarece a autora. A escolha da Senhora do Monte para título inspira-se, por exemplo, na possibilidade “de a cidade ter nascido ali perto, em São Sebastião do Freixo” e na circunstância de a nascente do rio Lis ocorrer “naquela zona”. Há, ainda, a força do horizonte obtido a partir do miradouro, “quase um quadro vivo”.
Ao encontro do mote do Festival Leiria Cidade Criativa da Música em 2023 – “Património Natural e Arquitectónico de Leiria”, que também forneceu o contexto do Concurso – a compositora imaginou uma introdução “imponente”, à semelhança do Castelo, a abrir um voo com referências que incluem a relação com a Natureza e com a bacia hidrográfica desde a mais remota ocupação humana da região, a poesia de Francisco Rodrigues Lobo, os vestígios romanos de Collippo ou o percurso até São Pedro de Moel através do Pinhal.
O que pode valer a recompensa de 2 mil euros? “Quero muito ir a estúdio gravar este tema”, antecipa Estela Alexandre. “Lançar um álbum. E este prémio vem apoiar para que seja possível, porque estamos a falar de valores altos e de um investimento”. É o desfecho de uma oportunidade rara, sinaliza durante a conversa com o JORNAL DE LEIRIA. “Um concurso de composição especificamente para orquestra de jazz não é comum”.
Estreia ao vivo
Na sexta-feira, 8 de Dezembro, a partitura ganhou vida em palco e perante o público pela primeira vez, no final de uma semana de ensaios. “A primeira sensação foi de concretização”, descreve a compositora, de 25 anos. “É espectacular, até me lembro de ter tido uma espécie de descarga de adrenalina”.
Depois de concluir o terceiro ciclo do ensino básico, Estela Alexandre studou no Conservatório de Música de Coimbra no Curso Profissional de Jazz e a seguir licenciou- se em Música (variante Jazz) pela Escola Superior de Música de Lisboa, onde encontrou Filipe Melo, o professor que aponta como maior referência. É nesse período, em 2020, durante o primeiro confinamento provocado pela pandemia, que escreve a primeira peça, “Olhos Verdes”, de início piano solo, depois com arranjos para um colectivo, momento revelação de “um fascínio pela grandiosidade que é possível com uma orquestra”, admite Estela Alexandre, e da “descoberta que é cada música que vai sendo escrita”. Seguiu-se um arranjo para orquestra da canção “Coisas” dos Ornatos Violeta, o original “Dedicatória” inspirado nos “Verdes Anos” de Carlos Paredes, o original “Terra e Água” e o arranjo para “Strange Fruit”, clássico que conta com versões cantadas por Nina Simone e Billie Holiday.
“Não sei se a minha música é propriamente jazz, vai beber a várias coisas”, mantém a compositora, que vive em Lisboa. “Idealizo uma viagem musical que pode ser traduzida se calhar numa imagem”. Sempre, com a “intenção de transportar as pessoas para algum lado, algum universo”. Em 2024, talvez, com um ponto de chegada inédito: o primeiro disco.