O primeiro sinal – sabe-o hoje – surgiu há quase 20 anos. Acordou “sem ver nada” de um dos olhos. Consultou um oftalmologistas, mas, entre exames, a visão normalizou e o assunto foi esquecido até que apareceram os primeiros surtos. A vista a tremer, a dormência dos membros superiores e inferiores e movimentos “involuntários” do braço e da mão.
Hélder Fernandes tem 46 anos e há 12 viu-lhe confirmado o diagnóstico de esclerose múltipla, uma patologia degenerativa que afecta entre seis a oito mil portugueses.
“Nunca tinha ouvido falar da doença” até aquele dia em que, após uma bateria de exames, o neurologista lhe confirmou as suspeitas do médico de clínica geral que tinha consultado, após “sucessivos” surtos.
“Um dos episódios aconteceu durante uma consulta”, conta Hélder Fernandes, antigo electricista reformado desde final de 2010. Nos primeiros anos, ainda conseguiu manter-se a trabalhar. “Como era chefe de pessoal, podia fazer algumas pausas e descansar. Mas, em contrapartida, o stressassociado à função, fez-me muito mal”, reconhece.
A esclerose múltipla é uma doença “crónica, inflamatória e degenerativa”, que afecta o sistema nervoso central. Surge, normalmente, “entre os 20 e os 40 anos de idade, mas, pode também aparecer em “crianças e idosos”, refere a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM).
Os sintomas “variam muito”, mas, entre os mais comuns, está a fadiga e perda de força muscular nos braços e pernas. No caso de Hélder, a doença afectou-lhe, sobretudo, a locomoção, com a perda de sensibilidade dos membros inferiores.
Numa das pernas usa uma tala, para manter o pé direito, e movimenta- se com a ajuda de uma bengala. “Já não passo sem estes apoios. Não consigo fazer 50 a 100 metros sem me sentar. Nos percursos maiores, só com cadeira de rodas”, conta.
Apesar das limitações, Hélder Fernandes, residente na Maceira, Leiria, procura fintar a doença, mantendo-se o mais activo possível. Já não pode jogar futebol ou futsal, como tanto gostava, mas faz natação, com a ajuda de umas barbatanas. “Não tenho forças nas pernas”, explica.
Continua a conduzir, com um carro adaptado, e é presença assídua nas actividades dinamizadas pela delegação de Leiria da SPEM. “Não nos podemos deixar vencer pela doença. Com uma boa dose de optimismo é mais fácil.”
[LER_MAIS] Criada há 19 anos, a SPEM de Leiria disponibiliza diversas respostas sociais, como actividades ocupacionais, neuroreabilitação, consultas de psicologia, serviço social e apoio ao domicílio.
Promove ainda sessões de postura, alongamento e respiração, que ajudam “a controlar a fadiga”, explica Hugo Pena, coordenador da SPEM de Leiria, também ele portador da doença. Foi em 2011 que se ligou à associação, quando a esclerose múltipla o atirou para a aposentação.
Vendeu a empresa de moldes e passou a dedicar-se ao voluntariado na SPEM. A esposa acompanha-o desde a primeira hora. É ela que, entre a actividade profissional e os afazeres domésticos, faz muitos dos produtos, como licores, compotas, gomas, que a associação vende para angariar fundos, que complementem os apoios que recebem.
A associação está a promover a campanha s'EM LIMITES, que pretende juntar o apoio de mecenas para a aquisição de equipamento de fisioterapia e para as terapias da fala e ocupacional, e de ajudas técnicas, como cadeiras de rodas. A instituição precisa também de ajuda para terminar o pagamento de uma nova carrinha de transporte de utentes.
Doença aparece mais entre os 20 e os 40 anos
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença de “natureza auto-imune” que gera o aparecimento de lesões no sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal)”.
O neurologista José Vala explica que essas lesões podem causar “múltiplos défices”, como perda de força muscular, alteração da sensibilidade (dormência, formigueiros), perturbações visuais (perda de visão, visão dupla), alteração da coordenação dos movimentos (desequilíbrio na marcha, incoordenação e tremor das mãos), dificuldades no controlo urinário, alterações cognitivas e fadiga acentuada.
“Na maioria das pessoas a doença evolui por surtos (quando aparecem os sintomas) e períodos de remissão. Numa fase inicial os sintomas podem regredir completamente mesmo sem tratamento, mas com o evoluir da doença é muito frequente ficarem sequelas que vão determinar uma incapacidade crescente”, acrescenta o neurologista, que sublinha a importância do diagnóstico precoce.
Ao iniciar o tratamento numa fase inicial da doença, minimiza-se “o risco de ocorrência de novos surtos e consequentemente evitar-se a incapacidade a longo prazo”. “Há actualmente uma forte evidência que o tratamento precoce pode alterar de forma decisiva a história natural da doença. É, pois, muito importante o reconhecimento das primeiras manifestações que, mesmo que subtis, devem ser avaliadas por um neurologista”, reforça José Vala.
A EM manifesta-se em idades jovens, com os primeiros sintomas a ocorrerem “mais frequentemente entre os 20 e 40 anos, observando-se um pico de incidência por volta dos 30 anos”.
“A EM é a doença neurológica mais incapacitante em adultos jovens, a seguir aos traumatismos de crânio. O facto de a doença atingir adultos jovens, para além das dificuldades pessoais, acarreta habitualmente muitos problemas em termos profissionais, familiares e sociais”, afirma o neurologista, que é director do Serviço de Neurologia do Hospital Beatriz Ângelo (Loures).