Foi nomeada pelo Governo para integrar o Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação. Qual o contributo que espera dar?
Infelizmente sou a única representante dos institutos politécnicos, mas estar neste conselho significa que os politécnicos já são considerados nesta equação. Também é importante a área científica que represento: a economia azul, isto é, a investigação ligada ao mar do ponto de vista estratégico. Creio que o convite também veio no sentido de reafirmar a importância da economia do mar para Portugal.
A constituição deste grupo é sinal que Portugal já começa a valorizar a ciência?
Sem dúvida. É muito relevante que este seja um conselho independente e que visa aconselhar o Governo, em matéria de ciência e de inovação, para que possa tomar decisões informadas. Os políticos, por vezes, precisam de algum apoio científico e técnico, isento, para tomarem as melhores decisões.
Como avalia o estado da ciência em Portugal e quais são os maiores desafios para os investigadores?
Portugal, bem como toda a Europa, tem desafios importantes e difíceis de resolver, relacionados, por exemplo, com as alterações climáticas. A Europa possui um plano de descarbonização e procura, de certa forma, liderar esse movimento global. Mas, isso levou a que a Europa tivesse desinvestido em indústrias poluentes, que se mudaram para a China, apesar de necessitarmos dos produtos e da tecnologia. Nos últimos dez anos, a China investiu muito em investigação científica e ultrapassou a Europa. Continua a existir investigação de excelência na Europa, mas desde a saída da indústria, a investigação aplicada foi menos impulsionada pelo sector industrial. É um desafio grande voltar a desenvolver investigação aplicada na Europa e, sobretudo, é muitíssimo importante manter os nossos jovens investigadores. A fuga de talentos ocorre, porque muitos não vêem atractividade na carreira de investigação na Europa. A maioria acaba sobretudo nos Estados Unidos.
O que fazer para reter os nossos ‘cérebros’?
É muito triste ver os nossos jovens a sair de Portugal e da Europa. Portugal é um País fantástico, mas do ponto de vista de investigação não oferece condições atractivas. O desinvestimento na ciência verificado nos últimos anos é muito preocupante. É necessário haver mais investimento e as carreiras têm de ser revistas para se tornarem mais atractivas. Grande parte dos nossos investigadores trabalham no regime de bolsas de investigação, o que torna a profissão muito instável. Temos pessoas de 40, 50 e 60 anos ainda a viver nesse regime. Tem de haver uma reorganização das carreiras. Temos investigação de excelência, mas precisamos definir as áreas estratégicas para investir. Onde é que já somos excelentes e em que áreas conseguimos alcançar a excelência? Onde é que nos podemos diferenciar? É fundamental uma revisão estratégica e profunda.
Que áreas do conhecimento científico na biologia considera mais promissoras para ter impacto na sociedade?
Há uma discussão em curso sobre onde é que devemos investir: na ciência fundamental ou na ciência aplicada. A verdade é que não se faz ciência aplicada sem a base fornecida pela ciência fundamental. Os projectos aprovados por exemplo pela FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia] fazem a avaliação do impacto da investigação na sociedade, mas isto só é visível para a ciência aplicada. A ciência fundamental enfrenta mais dificuldades em demonstrar resultados visíveis. Por exemplo, não teríamos vacinas sem o conhecimento gerado pela ciência fundamental, cujo impactos se revela a médio e longo prazo, enquanto a ciência aplicada tem um impacto imediato ou rapidamente visível. É necessário investir em ambas, pois sem esta complementaridade não evoluímos nem crescemos. Onde é que podemos ter impacto nas áreas da biologia? Estamos a trabalhar a biotecnologia, que está a avançar rapidamente, por exemplo, nas aplicações dos organismos marinhos na área da medicina. Podemos vir a usar algas para curar ou retardar doenças como o Alzheimer, o Parkinson e as demências, doenças associadas à maior esperança de vida da população humana. Embora seja um processo demorado, temos descoberto compostos bioactivos, que actuam a nível celular, reduzindo o impacto dessas doenças. Na biotecnologia, olhamos para a natureza e tentamos replicar os seus processos, porque a natureza é um sistema quase perfeito. Por exemplo, o nosso grupo de investigação trabalha na aquacultura de vários tipos de organismos, além do peixe. A natureza funciona em ecossistemas, onde vários organismos dependem uns dos outros. Estamos a tentar replicar estes sistemas nas aquaculturas multitróficas. Os peixes são muito poluentes, por isso introduzimos organismos que purificam a água, criando um sistema com três ou mais níveis de tróficos: peixes, invertebrados e algas. Os invertebrados e as algas limpam a água do peixe, e assim produzimos e podemos comercializar todas as espécies: peixes, invertebrados e algas. Soluções como esta beneficiam-nos a todos.
Acaba por ser uma economia circular.
Sem dúvida. A aquacultura multitrófica é um exemplo muito simples de como é que a economia circular pode funcionar e como é que conseguimos fechar o circuito, não produzindo resíduos e beneficiando com todo o sistema. Outra área de grande relevância, mas com menor visibilidade, é o restauro dos ecossistemas. Não teremos saúde nem qualidade de vida no futuro se não melhorarmos o estado em que estamos a deixar o planeta. Esta é uma área crucial, que não vai gerar valor económico imediato, mas tem um valor associado ao próprio restauro ambiental. Ao restaurar ecossistemas, promovemos a captura de carbono e a biodiversidade e eliminamos poluentes.
Face à escassez de recursos tem-se apostado na aquacultura. Como tornar este peixe mais saudável?
A Europa já deu um passo gigantesco ao reduzir significativamente o uso dos antibióticos na produção do peixe de aquacultura. Qualquer fármaco que tenha de ser administrado tem de ser autorizado por um veterinário. Portanto, são efectivamente muito mais saudáveis, desde que tenham sido produzidos na Europa. Porque no resto do mundo não existe o mesmo grau de exigência, e continuamos a importar peixe fora da Europa. Isto não é justo para os nossos produtores, que gastam muito mais dinheiro para conseguir ter o peixe saudável e de boa qualidade, mas mais caro. Por isso, devemos verificar o local de origem da produção. Por exemplo, é comum administrar vacinas aos peixes de aquacultura, prevenindo doenças e eliminando a necessidade de antibióticos, o que os torna muito mais saudáveis. Eu prefiro comprar peixe de aquacultura, porque sei que é uma escolha mais segura, enquanto o peixe de mar pode estar contaminado com diversos tipos de poluentes. Infelizmente já não temos garantia sobre a qualidade do peixe de mar.
Quão longínqua está a possibilidade de passarmos a comer algas ou insectos no dia-a-dia por falta de recursos?
Espero que demore muito tempo, até enfrentarmos uma verdadeira escassez de recursos e necessitarmos de recorrer a outros alimentos. Um dos grandes desafios, além da poluição, do carbono, das guerras ou das pandemias, será alimentar a população humana. Como podemos aumentar a produção agrícola? Precisamos optimizar a agricultura, fazer melhoramentos genéticos e substituir os fertilizantes químicos, que são muito poluentes. Mas faz sentido diversificarmos a nossa alimentação. Na Europa – e Portugal é um exemplo clássico – consome- -se muito mais proteína animal do que o necessário. Qual é a alternativa? Consumir outros alimentos como as algas ou os insectos que têm uma elevada quantidade de proteína e todos os aminoácidos essenciais, que, com excepção da soja, os vegetais terrestres não têm. Temos de começar a educar as gerações seguintes. Pensamos que não comemos insectos, mas consumimos muitos invertebrados, nomeadamente o marisco. É uma questão cultural. As algas são como hortaliça e há espécies muito saborosas, concretamente, a bodelha, que sabe a tremoço. É deliciosa, fresca e salgada.
Tem estudado as algas vermelhas. Em que é que se distinguem das outras?
A cor significa que a alga tem pigmentos específicos, e as cianobactérias ou bactérias azuis e as algas vermelhas têm as ficobilinas, pigmentos fotossintéticos com propriedades extraordinárias enquanto antioxidantes, anti-envelhecimento e protecção ultravioleta. Com a crescente exposição à radiação UV, precisamos de novos protectores solares, que possam substituir os químicos tradicionais. Ainda há muita investigação a desenvolver, mas as algas vermelhas são especialmente interessantes. Por outro lado, é importante que a investigação e a exploração destas espécies não prejudiquem o ambiente. Por isso, temos vindo a estudar algumas espécies que já conseguimos ‘domesticar’ para as fazer crescer em laboratório. Se queremos pôr novos alimentos na mesa, temos de conseguir produzi-los, sem danificar o ambiente. Mas confesso que a opção pelas algas vermelhas foi por as achar especialmente bonitas.
Por que não se explora mais os recursos do mar?
Neste momento, há uma estratégia nacional para o mar bem definida, que orienta claramente o que podemos e devemos fazer. A estratégia inclui uma forte componente de educação, essencial para mudar mentalidades, um processo que pode demorar mais de uma geração. Também inclui a vertente de investigação, e toda a Europa está a trabalhar em transferir conhecimento para a economia, para criar valor económico para os recursos marinhos. Cada vez mais, os grupos de investigação pensam em como aplicar esse conhecimento na indústria e na criação de novos produtos. É a investigação e a inovação que impulsionam o progresso. Os Estados Unidos são um exemplo de sucesso nesse modelo. Cada vez mais há grupos de investigação a trabalhar complementarmente nas suas áreas de especialidade ligadas ao mar, quer seja nas áreas da energia, dos transportes marítimos, da logística portuária, entre muitas outras. São áreas em que nos podemos diferenciar, aproveitando os recursos, de uma forma sustentável e responsável.
De que forma a inteligência artificial (IA) pode transformar a pesquisa científica?
A IA já transformou a forma como se faz investigação científica. Utilizamo-la para nos apoiar neste processo, tornando-nos mais produtivos. A IA não pode fazer o trabalho por nós, mas auxilia bastante. E o que falta à inteligência artificial? O espírito crítico que só um cérebro humano possui. As ferramentas estão aí para ser utilizadas e, cada vez mais, irão apoiar-nos na tomada de decisões.
Qual é o legado que gostaria de deixar?
Gostaria de deixar algumas ferramentas que contribuam para melhorar o nosso planeta, como é o caso da aquacultura das algas. Acredito profundamente nos três pilares da sustentabilidade: social, ambiental e económico. O desenvolvimento pleno das sociedades só pode ser alcançado quando estes três pilares estão a funcionar em conjunto. Ninguém consegue viver bem sem um estado social equilibrado ou sem um ambiente saudável. Precisamos de encontrar o equilíbrio neste processo, e espero poder contribuir, mesmo que modestamente, para isso.
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