A vida não tem sido fácil para Thiago Trindade, diagnosticado como Síndrome de Asperger aos seis anos. Mas as dificuldades não lhe cercearam a capacidade de sonhar e a vontade incessante de aprender.
Há três anos, mudou-se, sozinho, do Brasil para Portugal. Depois de percorrer várias cidades, radicou-se em Leiria, onde continua a acalentar a esperança de conseguir de viver da música e, dessa forma, ajudar a causa autista.
Para já, a sua luta e a dos amigos que o apoiam passa por conseguir um lugar tranquilo, onde possa dedicar-se ao piano, a grande paixão da sua vida. Além da música, gosta de fazer desenho realista e fala seis línguas, incluindo o japonês, cujos conhecimentos lhe foram certificados pelo governo nipónico. É também fluente em inglês, espanhol e italiano, diz “defender-se bem” com o estónio e o finlandês, sabe o básico de mandarim e já contactou com o persa.
Desde que tem memória, que se lembra de ter o rótulo de “diferente”, também colado por ele próprio, sem saber bem o por quê. Algumas das respostas a tantas dúvidas surgiram aos seis anos, quando recebeu o diagnóstico de Síndrome de Asperger, um dos espectros de autismo que afecta a forma como se percebe o mundo e se interage com as pessoas.
Mal aceite pela família, o diagnóstico deitou por terra o sonho que Thiago tinha de ser piloto de aviões. Mas acabou por o ajudar a descobrir o jeito e o gosto pelo desenho realista. “Ia ao aeroporto ver os aviões e no regresso a casa desenhava-os. Era como se estivesse dentro daquela realidade. Era uma forma de, indirectamente, concretizar o meu sonho”, conta o artista, nascido em Porto Alegre.
Foi também nessa fase da infância que começou a interessar-se pelo piano ao ouvir a Rapsódia húngara número dois, composta por Fraz Liszt, que serve de música de fundo num dos episódios de Tom & Jerry. Contudo, o contacto com o instrumento só aconteceu um pouco mais tarde e por acaso, quando frequentava as aulas de japonês, ministradas por uma freira missionária.
“Pedi que me indicasse um professor de piano e ela própria se disponibilizou para me ajudar. A partir daí, enquanto esperava pela boleia do meu pai, foi-me ensinando o piano e passando os conteúdos do Método Beyer, para principiantes”, recorda. “Em poucos meses”, Thiago já “dominava” o instrumento.
“Chegava a estar 14 horas a tocar. Não por auto-obrigação ou por imposição de terceiros, mas por distracção e pela necessidade de aprender. Não aprendo para impressionar as pessoas, mas por gosto e necessidade. A vontade é tanta, que dói se não aprendo”. Praticava, então, num órgão de cinco oitavas que acabou por avariar. Seria substituído por um piano digital, que comprou com o subsídio estatal que recebia.
Em 2013, conheceu um professor que dinamizava oficinas de piano numa livraria/papelaria, a quem pediu para experimentar o instrumento. “Ele gostou tanto que passou a deixar lá o piano nos dias em que não ia, para que eu pudesse tocar. Assumiu-se também como meu padrinho e começou a procurar quem pudesse ajudar-me a explorar as minhas aptidões como pianista.”
Desse esforço, resulta o contacto com o professor Leandro Menezes Faber, já falecido, que ajuda Thiago a preparar-se para uma apresentação de piano a solo e de orquestra na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mas a audição acabou por não se concretizar. Um “falso” diagnóstico de esquizofrenia levou a família a interná-lo num hospital psiquiátrico.
Este é um período sobreo qual prefere não falar. Salta no relato para Novembro de 2019, quando chega a Portugal, “à procura das origens”. “Queria viver uma imersão cultural. Respirar o ar que os meus antepassados portugueses respiraram, ter o contacto visual com os lugares que eles cruzaram.”
Após percorrer várias cidades, fixou-se em Leiria. Vive agora num quarto arrendado num prédio na cidade, mas o desejo é conseguir um espaço mais tranquilo, onde possa retomar o piano. “Quero preparar o meu portfólio, mas preciso de um ambiente com maior tranquilidade. Aqui, sinto-me constrangido. Os vizinhos sentem-se incomodados com o som”, diz, sorrindo quando se lhe pergunta qual o seu maior sonho. Hesita, mas acaba por responder: “tornar-me pianista e, com o chachet, ajudar a causa autista.