Meu Caro Zé,
Neste mundo de interesses egoístas, pessoais, de grupo, designadamente de partidos políticos, de nacionalismos exacerbados (de que os migrantes são as principais vítimas) não posso deixar de tirar o chapéu à atitude da sra. Angela Merkel e do sr. Martin Schulz.
Apesar das críticas dos seus próprios partidos, em queda nas sondagens, ainda maior do que aquela que já sofreram nas últimas eleições, persistiram na continuação das difíceis negociações até terem encontrado uma solução confessadamente dolorosa para ambos.
Este facto impõe-me um olhar sobre as relações humanas, sejam interpessoais sejam interinstitucionais sejam internacionais. E faço-o a partir de uma noção básica em economia de “custo de oportunidade” – esse custo é o valor que atribuímos à alternativa mais valiosa, que tivemos de deixar de lado.
Repara Zé que o que custa é o que deixamos de lado, o que não pudemos escolher, o que significa que em toda a escolha que o indivíduo faz há sempre um custo envolvido, ou seja, uma abdicação de algo.
Então, quanto mais não terá de se abdicar numa escolha a dois, e mais ainda quando muitos estão envolvidos. Na moderna linguagem económica tem-se a mania de que um negócio é bom para os negociadores se for win-win, ou seja, se ganharem ambos.
É evidente que estas condições não ocorrerão na vida na maioria das situações porque, como é evidente, não superam os egoísmos individuais. Uma solução estabelece-se quando é encontrada uma em que ambos concordem (tendo em atenção, portanto, um objetivo comum), o que, por sistema, implica abdicação.
E este é o exemplo que Merkel e Schulz dão, pois encontraram um objetivo comum de defesa da Alemanha e, muito provavelmente, ligado à defesa e concretização do que é habitualmente designado por “projeto europeu”, que como “projeto” é sempre algo em construção (ou será destruição?)
[LER_MAIS] No momento em que escrevo, meu Caro Zé, não sabemos se os partidos de ambos não acabam por destruir este acordo “doloroso”, em nome dos “superiores” interesses partidários ou, talvez, quem sabe, em nome de um “projeto antieuropeu”, senão mesmo com um argumento muito popular (ou populista?) de que os seu partidos, assim, abrem a porta aos extremismos, aos populismos.
Mas é o acordo de Merkel e Schulz que abre a porta ou tudo o que se tem feito até aqui? Nesta procura de acordo está, pois, muito em jogo, não só para a Alemanha mas para a Europa e, mais importante que tudo, o futuro da democracia baseada no poder dos partidos.
Só que mais que o debate das consequências do que se vai seguir, interessa-me bem mais pôr em evidência um gesto que já não é comum, principalmente em política, e que vale muito por si, pelo seu quase, infelizmente, ineditismo nesta área.
Sabem que o futuro político de cada um deles pode estar comprometido, mas não abdicaram de propor um objetivo comum, mesmo dolorosamente alcançado. Não puseram o seu percurso político pessoal em primeiro lugar, como tantas vezes (e temos bons exemplos entre nós!) observamos.
A isso volto a “tirar o chapéu” (expressão ainda usada na tradição francesa). Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito de acordo com a nova ortografia