Diz a sabedoria popular que “enxoval que não vai com a noiva, tarde ou nunca virá”. É deste provérbio que Tomás Taveira, arquitecto autor do projecto do Estádio Municipal de Leiria, se socorre para resumir os mais de 18 anos de avanços e recuos nas soluções preconizadas para concluir o topo Norte do Magalhães Pessoa.
Depois de, há mais de dois anos, a câmara ter aprovado o projecto, que previa a instalação no local de um centro de negócios para empresas do sector das TICE (Tecnologias da Informação, Comunicação e Electrónica) e de um centro associativo e de artes, o discurso do presidente da autarquia, Gonçalo Lopes, no último Dia do Município, celebrado na semana passada, veio levantar dúvidas sobre o futuro do espaço.
Na sua intervenção, o autarca assegurou a vontade do executivo de “dar continuidade” à solução para o topo Norte, “que se encontra em evolução”. Nesse sentido, reafirmou a opção de transformar parte daquela estrutura num cento de empresas de base tecnológica, mas revelou novas ideias para a torre Poente.
Em vez de criar naquele bloco um espaço dedicado às artes e ao associativismo, como previa o projecto aprovado, está agora a ser estudada a possibilidade de o local acolher os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) e a Escola Profissional de Leiria.
“Neste momento de incerteza optou-se por privilegiar investimento produtivos”, justificou Gonçalo Lopes, sublinhando também a necessidade de uma nova localização que “alavanque o potencial de crescimento” daquela instituição de ensino.
Por outro lado, a saída dos SMAS para o topo Norte, associada à relocalização dos estaleiros do município, poderá, na óptica do autarca, promover a “criação de uma bolsa de desenvolvimento urbano junto ao Polis”, em São Romão e na Guimarota, libertando espaços que poderão receber projectos que servirão de impulso à “regeneração e valorização urbana” dessa zona da cidade.
Gonçalo Lopes garantiu ainda que a componente cultural do projecto do topo Norte não se perderá. Será, antes, transferida para as antigas instalações do Instituto da Vinha e do Vinho, que estão agora cedidas ao município, contribuindo para “a regeneração da zona da Estação”.
Sobre o destino da torre Nascente, que chegou a ser negociada pela câmara com a Autoridade Tributária (AT), nada disse o presidente da autarquia no discurso que fez no Dia do Município.
Em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, Gonçalo Lopes adianta que o projecto para esta zona do topo Norte “está concluído e a aguardar parecer da AT”, que irá ocupar o espaço em regime de arrendamento. Segundo o autarca, o processo das Finanças é aquele que está “mais avançado”, havendo condições para que a obra arranque após aquele parecer.
Quanto à intervenção no restante topo Norte, a executar por fases, o presidente da câmara esclarece que a concretização do centro de negócios está dependente da obtenção de fundos comunitários. “Avançará logo que esteja garantido financiamento”, afirma, assegurando que as alterações ao projecto, para acomodar as novas valências apontadas para a torre Poente, não irão implicar atrasos no centro de negócios. “Ao fasear o projecto, torna-se mais fácil candidatá-lo, porque não é necessário fazer todo o investimento”, acrescenta Gonçalo Lopes.
Hasta pública em 2011
Desde que o estádio municipal foi inaugurado, em Novembro de 2003, muitas foram as ideias apontadas para a conclusão do topo Norte, que ficou inacabado “por decisão do executivo que considerou que não seriam necessários tantos lugares de bancada”, como previa a proposta inicial de Tomás Taveira. “No projecto original aquela era uma zona de bancada”, recorda o arquitecto, em declarações ao JORNAL DE LEIRIA.
Ao longo dos anos, muitas foram as ideias apontadas para fechar o estádio. A intervenção chegou a fazer parte das contrapartidas exigidas no âmbito do concurso internacional para a construção de um centro comercial naquela zona da cidade, que acabou por não avançar.
Já em 2011, o topo Norte entrou na hasta pública para venda do estádio, um dos palcos do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 colocado no mercado pelo executivo de Raul Castro pelo valor de 63 milhões de euros. A tentativa de comercialização acabou por fracassar, não tendo aparecido candidatos à compra.
De loja do cidadão a hotel
Depois disso, houve várias propostas para ‘tapar’ e ocupar a ala Norte do estádio, desde loja do cidadão, sede da associação empresarial Nerlei, passando por um hotel e por uma mega-loja de desporto. Tudo ideias que não passaram de ideias.
Já em 2017, a câmara lançou um concurso para a elaboração do projecto de arquitectura para intervir no alçado Norte do estádio, que contou com quatro propostas, uma das quais excluídas por questões processuais (nos documentos entregues havia informação que identificava o concorrente). O concurso de ideias foi ganho pela Mube Arquitectura, do leiriense Pedro Cordeiro, que também apresentou a proposta vencedora para o pavilhão multiusos, entretanto, colocada na gaveta pela câmara.
O projecto-base para o topo Norte, que propõe uma fachada totalmente em vidro e a cobertura ajardinada, foi aprovada no final de 2019. Era então apontada uma estimativa de custos na ordem dos 7,5 milhões de euros. Meses depois, o executivo, com a abstenção da bancada do PSD, dava luz-verde a um conjunto de alterações, que fizeram disparar os custos para os 13 milhões de euros.
Segundo explicou o executivo, a principal mudança passou pela melhoria das instalações em termos técnicos e tecnológicos, mas também ao nível da segurança. Houve ainda um reforço da componente cultural do projecto, com a criação de condições na torre Poente para acolher não só o centro associativo, mas também actividades artísticas ligadas à dança, à música e às artes plásticas e perfomativas.
Esta componente é agora posta em causa, tendo a câmara já solicitado à equipa projectista para alterar o projecto, de forma a acomodar novas valências: Escola Profissional de Leiria, SMAS e, ao que apurou o JORNAL DE LEIRIA, também a Protecção Civil Municipal.