Maio é, para mim, desde que me lembro, o mês da feira de Leiria, um acontecimento que me traz sempre recordações, digamos… dolorosas. Eu explico: por volta de 1975, ano em que fazia cinco anitos, tive a minha primeira experiência marcante naquele local.
Para uma criança gulosa como eu, um sítio repleto de farturas, pipocas, algodão doce ou torrão de Alicante era o equivalente ao paraíso na terra. A cereja no topo do bolo eram as barracas dos brinquedos cheias daqueles carrinhos-miniatura que qualquer puto queria ter para brincar.
Por isso não foi de estranhar a birra monumental que tive quando o meu pai me deu um quando eu, na verdade, queria, no mínimo, levar meia dúzia!
E foi a meio do meu pranto que um senhor africano, muito alto e de ar simpático, se aproximou. Com o intuito de me acalmar agarrou num pequeno artefacto exposto numa das barracas e dirigiu-se a mim: "hey minino, olháqui um pinico prá fazê xixi".
Quem não gostou muito dessa brincadeira foi o dono da barraca que apareceu em bando com outros feirantes e trataram de espancar o senhor, ali, à minha frente, com o meu pai a intervir em sua defesa e a minha mãe a puxar o meu pai para fora da briga, e gritos, e sangue, e roupa rasgada e eu em pânico a pensar que o meu pai e a minha mãe iam morrer no meio daquela hercúlea confusão!
Foi por isso que, durante anos, fui racista. Odiava os da minha raça, os brancos, porque eram maus e batiam em senhores pretos, cobardemente, na proporção de quinze para um.
Senti, pela primeira vez, o que era a injustiça, algo que ainda hoje, às portas do meio século de vida, é dos poucos sentimentos que me tiram do sério. No ano seguinte, ainda sem autonomia para decidir que não queria lá voltar e atraído pelo chamariz das doçarias e dos brinquedos, lá [LER_MAIS] estava eu de novo na feira, às cavalitas do meu pai que logo decidiu aventurar-se a pôr-se a ele e a mim dentro de um carrinho-de-choque.
Demorou poucos segundos até termos uma colisão frontal e eu ficar sem dois dentes e com os lábios a fazer corar de inveja a Brigitte Bardot… Foi já como adolescente que, anos mais tarde, voltei à feira. Não por vontade própria, mas para agradar à minha namorada que tinha o desejo de… andar de carrinhos de choque!
Claro, eu que a conquistara há pouco tempo, não dei parte fraca. Armei-me em gajo durão e toca de comprar fichas para "maaaais uma voltinha!".
Em poucos segundos, zás! Um joelho aberto com um rasgo da largura de um dedo, daqueles para levar pontos no hospital. A feira não era, decididamente, um local para mim.
Estive, provavelmente, mais de duas décadas sem lá voltar até que, no ano passado, me afoitei de novo a ir! Pelo menos até à zona do algodão doce.
A ver se este ano consigo chegar à barraca dos churros…
*Presidente da Fade In