Com apenas 14 anos federou-se nos principiantes do então chamado Futebol Clube Marrazes, em Leiria, o único com este escalão no País. Foi campeão distrital em duas das três épocas em que esteve neste escalão. Já em juniores foi novamente campeão distrital, em 65/66. Na época seguinte foi convidado para treinar na Selecção Nacional de futebol. Falamos de Carlos Cândido, natural de Leiria, um futebolista a quem a carreira profissional passou ao lado. Mas sem arrependimentos.
O seu talento não passou despercebido. Durante os dez dias em que treinou pela selecção, Carlos Cândido foi abordado por representantes do Futebol Clube do Porto, do Belenenses e do Beira-Mar, mas recusou todos os convites para jogar naquelas equipas. Porquê? “Já namorava a minha mulher. Era uma paixão assolapada. Não queria perder isso.” Se optasse pelo futebol profissional, Cândido perderia a mulher da sua vida. “Ela teria ido para Londres, porque tinha lá familiares. Hoje, não teria os filhos e os netos que tenho.”
Foi também, por diversas vezes, convidado a jogar no União de Leiria – clube que nasceu em 1966, altura em que o Marrazes passou a denominar-se Sport Clube Leiria e Marrazes – mas recusou sempre. Na época de 67/68 iniciou o primeiro ano em seniores no clube dos Marrazes.
O treinador era José Bastos, antigo guarda-redes do Benfica, que com ele trouxe jogadores de Lisboa. “Viveram-se momentos de sonho. O ambiente era fantástico a tal ponto que alguns jogadores que vieram de fora acabaram por ficar a viver nesta nossa linda e acolhedora cidade de Leiria, onde ainda permanecem nos dias de hoje.”
No ano seguinte é chamado para cumprir o serviço militar. Mas o futebol não deixou de estar presente. Esteve em Moçambique durante dois anos. Nos 18 meses em que esteve na cidade de Tete fez parte de uma equipa de futebol de salão tendo sido campeão provincial. Os meses seguintes foram passados na cidade da Beira, a representar a equipa de futebol do Ferroviário da Beira, e foi também escolhido para a Selecção Militar de Moçambique, na modalidade de basquetebol.
Terminada a tropa, Carlos Cândido volta a Leiria, então com 24 anos. Casou pouco tempo depois do regresso e começou a trabalhar numa seguradora, onde esteve como gerente e coordenador geral.
[LER_MAIS] Mas antes de tudo isto, Cândido ainda ponderou enveredar pela vida da tauromaquia. Carlos Rodrigues Teixeira, pai de Carlos Cândido, era toureiro profissional como bandarilheiro, o que também o levou a pensar seguir essa via. Mas havia um problema: “o medo que sentia de ter um touro pela frente”. Este receio aliado ao pedido da mãe, que não queria que o filho seguisse as pisadas do pai, foi “motivo suficiente” para desistir da ideia.
Foi o futebol que marcou a sua vida. Deixou-o, por completo, aos 35 anos. Saiu do Sport Clube Leiria e Marrazes na época de 83/84 e nos dois anos seguintes esteve no GRAP – Grupo Recreativo Amigos da Paz, nos Pousos, Leiria. “Estive por amizade ao treinador. Não ia aos treinos, só aos jogos.”
E em toda uma vida a “respirar” futebol, há uma época que recorda com especial carinho: a de 75/76. O clube atravessava uma grave crise económica. “Não havia ordenados para ninguém. Recebíamos três contos no primeiro e no segundo mês e depois nunca mais recebíamos nada.” Mas os jogadores não deixaram que nada fosse abaixo e fizeram a auto-gestão do clube. Uns jogavam, outros vendiam os bilhetes, outros ficavam responsáveis pelo bar.
“Todos os elementos estavam activos. Tudo por amor à camisola.” As receitas angariadas eram divididas por todos, jogadores e treinador. “Foi um caso ímpar no desporto a nível nacional. Nunca nenhum clube, que eu saiba, teve esta auto-gestão.” E foi nestas condições o Sport Clube Leiria e Marrazes chegou à 2.ª divisão nacional.
No meio de tudo isto é das amizades que mais se orgulha. “Através do Marrazes criámos uma família e ainda hoje somos amicíssimos. Temos convívios em que parece que voltamos atrás no tempo.” Para o antigo futebolista, o futebol já não é o que era. “Hoje, mesmo num clube pequeno se sente a concorrência. Todos querem ser o Ronaldo e ganhar milhões. Não critico essas ambições! Mas, actualmente, o futebol é uma guerra de dinheiro e poder. Já não há amizade.”
Várias foram as pessoas que marcaram Cândido. José da Silva Oliveira, Luís Afonso Vieira da Costa e José Domingues Rosa da Silva são três dos muitos nomes que guarda com especial carinho, de pessoas “extraordinárias”, a quem muito agradece pela educação que lhe transmitiram. “Foram os meus segundos pais. Ajudaram-me a seguir a minha vida como homem, como pessoa e como chefe de família”, lembra.