Um ano depois do grande incêndio de Pedrógão Grande, que roubou o paraíso em Salaborda Velha, Peter e Marion dormem numa pequena rulote vulgar e de uma tenda de campismo inventam a cozinha de todos os dias. A casa nova debruçada sobre os montes e vales antes coroados de verde está por terminar, tal como 40% dos edifícios de primeira habitação para famílias afectadas pelos fogos florestais de 17 de Junho de 2017. Há 99 casas em obra, no papel ou por entregar.
Peter e Marion chegaram há 13 anos da Holanda, quase 14, à procura de espaço e do contacto com a Natureza. Vieram para ajudar a irmã de Peter a recuperar um imóvel – e nunca mais voltaram ao país de origem. "As nossas mãos foram na terra", dizem, para explicar as raízes que os ligam a um dos territórios mais esquecidos de Portugal.
Há um ano, ardeu tudo. E logo "tudo mudou". Há mágoa e revolta, que o tempo não apaga. "Muitas crianças, muitas pessoas morreram. Não têm vergonha?" Peter estava sozinho naquela tarde. Salvou as cabras e o cão, fugiu de carro com os animais para Vila Facaia, depois Figueiró dos Vinhos, depois Ana de Aviz, até encontrar abrigo no Avelar, a 20 quilómetros de casa. Ficaram, apesar do terror. "Eu vivo aqui, no coração", explica ele. Ficaram e têm planos: um projecto de limpeza da floresta com a ajuda das cabras que escaparam à morte certa e outro de produção de queijos artesanais para exportação. Alguém tem de acreditar e resistir, contra o abandono do interior. "Mais 10 anos ficam só 30% das pessoas".
Os abraços do Presidente. Ali perto, na aldeia de Figueira, também Rosalina Rosa, 80 anos, aespera que lhe entreguem as chaves da casa nova. Dois quartos, sala, cozinha a estrear. Está quase pronta. Até lá, fica com a irmã e a vida "vai andando devagar", mas sem lamentações, porque "tudo leva tempo".
No café de que é proprietária, na mesma rua, há imagens da casa destruída pelas chamas, mas a personagem principal das fotografias é alguém que construiu afectos onde faltavam tectos. “Uma boa pessoa, um bom presidente”, afirma Rosalina. “Olhe além, eu mais ele”. Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente, numa das várias visitas do chefe de Estado ao território devastado pelas chamas ao longo de uma semana. Balanço oficial: 66 mortos, mais de 250 feridos, 497 milhões de euros em prejuízos, 46 mil hectares ardidos.
Famílias à espera. De acordo com o Ministério do Planeamento e Infra-Estruturas, nos edifícios de primeira habitação, "as situações mais atrasadas em termos de obra resultam da dificuldade de se obter acordo entre os proprietários e as entidades financiadoras".
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Para os apoios à reconstrução, foi criado o fundo Revita, que acomoda os donativos provenientes da onda de solidariedade alimentada pelos portugueses.
Há 261 habitações permanentes intervencionadas no âmbito do fundo Revita, na sequência dos incêndios de 17 de Junho do ano passado: 251 nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, 10 nos concelhos de Góis, Penela, Pampilhosa da Serra e Sertã. No total, 157 habitações estão concluídas (60%), 99 encontram- se em execução (38%) e 5 têm contrato assinado com o empreiteiro (2%).
O valor do investimento alavancado pelo fundo Revita ascende a 9.956.526 euros, ou seja, praticamente 10 milhões de euros, canalizados, em maioria, para os concelhos de Pedrógão Grande (6,5 milhões e 156 casas), Castanheira de Pera (2,2 milhões e 66 casas) e Figueiró dos Vinhos (701 mil euros e 29 casas).