Da conversa com o último pastor da Torre da Magueixa, no concelho da Batalha, nasce a intervenção no espaço público. Ele, Zé Vieira, lembra o dia em que aos sete anos de idade sai pela primeira vez com os animais, 32, ao todo. “Então, espalhámos 32 cabras pela aldeia”, conta Sandra Pereira.
Na Travessa do Bom Pastor, descobre-se o homem e um dos bichos, ambos inscritos com stencil na parede exterior de uma casa, debaixo da frase “As cabras do Zé Vieira andam pela Torre a pastar, dos Vales à Barrosinha, 32 podes encontrar”.
Na realidade, são 30, porque na povoação da Barrenta também as quiseram, e lá estão duas, como que fugidas do rebanho.
Um ano e algumas semanas após produzirem o primeiro mural na Torre da Magueixa, na Rua do Emigrante, duas figuras humanas em rosa, azul e amarelo com quatro versos a servir de moldura, Eva Vieira, Diogo Monteiro e Sandra Pereira explicam o efeito sedutor do projecto Aldeia Pintada, que alimentam com a colaboração de Filipe Cordeiro e Mariana Menezes.
Inspiram-se nas tradições, quadras populares, dizeres e cantares locais, muitos deles surgidos no campo, no lavadouro ou nas eiras, noutros tempos, para se expressarem através da pintura, do vídeo, da instalação e da música.
Quem ali reside, dos mais velhos aos mais novos, parece render-se a tamanha manifestação de afecto. E há quem venha de fora só para conhecer as intervenções iniciadas em Setembro de 2020, entre elas, as cabras do Zé Vieira.

“A ideia do pintar não tem de ser literal”, esclarece Diogo Monteiro. “Pode ser dar vida à aldeia”. Em pouco mais de um ano, a equipa da Aldeia Pintada soma quase uma dezena de murais, com títulos como Da Torre ninguém tem queixa, As resineiras ou A vista é mais bonita em tardes solarengas, onde se lêem versos como “Os pratos na cantareira estão sempre tlim tlim, assim está o meu amor, quando está ao pé de mim”.
O mapa com todas as intervenções encontra-se em QR code nas vitrinas informativas da Torre da Magueixa e na bio da conta de Instagram do projecto.
Numa delas, no túnel sob o IC9, havia um chocalho que, entretanto, alguém levou, indiferente ao aviso em rima: “Dez anos de azar a quem o chocalho roubar”.
Ao longo dos últimos meses, Eva Vieira, Diogo Monteiro, Filipe Cordeiro, Mariana Menezes e Sandra Pereira também gravaram vídeos com habitantes da aldeia, lançaram uma linha de merchandising (t-shirts e sacos de alças) e juntaram-se ao músico Nuno Rancho numa recolha dos cantares tradicionais. Distribuíram postais para assinalar as festas em honra de Santa Iria (canceladas pela pandemia) e nas festas da padroeira Nossa Senhora da Conceição criaram cavacas a fingir, que muitos compraram, por engano.
Na noite do último domingo, 31 de Outubro, apresentaram um mini-documentário com gente da terra a dar voz a histórias de bruxas e valizomens, coisas do imaginário colectivo da Torre da Magueixa, que também contém lendas de tesouros romanos.

Para o antigo presidente da junta de freguesia, Horácio Sousa, os moradores “sentem orgulho por verem que as tradições não se vão perdendo, pelo contrário, estão a ser reactivadas”.
Opinião semelhante tem Nuno Moço, dos órgãos sociais do Grupo Recreativo e Desportivo da Torre, que realça a “dinâmica muito positiva” do projecto Aldeia Pintada, que “tem conseguido envolver as pessoas mais idosas com as mais novas”.
“Por norma, vamos buscar a nossa inspiração sempre à tradição oral da Torre ou à cultura popular”, resume Eva Vieira. “Frases que se ouvem dizer” ou “algo característico” da vivência no território.
O colectivo quer continuar a unir gerações e a fixar a memória e a identidade, as letras, os cantares, as narrativas e as quadras, muitas delas atribuídas ao poeta Manuel Rodrigues Marcelino. “É inesgotável, todos os dias temos uma história”.