Em Abril de 2015, muito antes da Web Summit e do jantar de que toda a gente fala, o bispo de Leiria-Fátima proibiu o fadista Camané de cantar na Igreja do Mosteiro da Batalha, que continua dedicada ao culto religioso. Foi um momento raro de controvérsia na vida do monumento, que também é panteão nacional (desde o ano passado, por decisão dos deputados na Assembleia da República). O concerto acabou desviado para o Claustro Real, uma zona não sacralizada, embora dê acesso à Sala do Capítulo, onde se encontra o Túmulo do Soldado Desconhecido.
O regulamento que permitiu aos organizadores da Web Summit reservar o Panteão Nacional, em Lisboa, para o jantar da polémica, é o mesmo que define as regras e os custos de utilização dos mosteiros da Batalha e de Alcobaça, que são os únicos monumentos no distrito de Leiria sob gestão directa da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), tal como sucede com o Panteão Nacional, que alberga os restos mortais de vários vultos da nacionalidade.
De acordo com o Anexo 1 do Despacho n.º 8356/2014, assinado em 24 de Junho de 2014 pelo então secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, os mosteiros da Batalha e de Alcobaça podem acolher jantares, cocktails, eventos e filmagens, por valores que variam entre os 200 e os 7.500 euros – acrescidos do IVA e das horas extraordinárias do pessoal da vigilância e guardaria. Um cocktail nas Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha, junto aos túmulos de D. Duarte I e Leonor de Aragão, de outros nobres e de vários frades anónimos, tem o custo de 250 euros, enquanto um jantar no Claustro Real implica o pagamento de 1.000 euros. No Mosteiro de Alcobaça há 11 espaços disponíveis, incluindo a Sala do Capítulo, por 1.300 euros, para eventos culturais e académicos, mas não a Igreja, famosa pelos mausoléus de D. Pedro I e D. Inês de Castro.
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Quando rejeitou a voz de Camané na Igreja do Mosteiro da Batalha, onde já tinham actuado Amália Rodrigues, Madredeus e Rodrigo Leão, o bispo de Leiria- Fátima, D. António Marto, aplicou as normas da Santa Sé que impedem a cedência de igrejas destinadas ao culto para concertos, a menos que sejam de música sacra ou religiosa.
Copos de água? Esqueça. No Mosteiro da Batalha, só a Igreja, por via da Concordata, carece de autorização da Diocese de Leiria-Fátima. Todos os outros espaços dependem em exclusivo da DGPC. São frequentes as conferências científicas, as visitas encenadas, as exposições e outras manifestações artísticas e culturais, de que o mais recente exemplo mediático é o espectáculo de Teresa Salgueiro no Claustro Real, há dois meses. Mas se está a pensar naquele copo de água inesquecível, esqueça. "A maior parte dos pedidos são para eventos empresariais e festas de casamento", reconhece o director do Mosteiro da Batalha, que acrescenta: "Sou muito conservador. Quase em 100% dos casos digo logo que não". Tanto nos almoços e jantares de carácter comercial como nos banquetes que os noivos oferecem aos convidados, os motivos são fáceis de perceber: "não há condições" logísticas para o efeito e "a dignidade" do edifício onde estão depositados, na Capela do Fundador, os restos mortais de D. João I e Filipa de Lencastre, e também da Ínclita Geração, "não permite acolher" semelhantes intenções, considera Joaquim Ruivo. A excepção é o Claustro D. Afonso V, onde já aconteceram recepções e refeições de empresas. Costuma ser alugado por 2.000 euros, apesar de não constar do regulamento criado em 2014 pelo anterior governo para os museus e monumentos sob tutela da DGPC.
Joaquim Ruivo acredita que têm "todo o sentido" os momentos culturais que o Mosteiro da Batalha recebe. "É essencial que isso aconteça, se não temos ali pedras mortas", afirma. Mas, cada caso é um caso. E o Despacho n.º 8356/2014 confere todo o poder de recusa aos serviços e à direcção da DGPC, quando esclarece no Artigo 3.º, que "todas as actividades e eventos a desenvolver terão que respeitar o posicionamento associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido" e que "serão rejeitados os pedidos que colidam com a dignidade dos monumentos, museus e palácios ou que perturbem o acesso e circuito de visitantes bem como as actividades planeadas ou já em curso". De acordo com o director do Mosteiro da Batalha, um novo regulamento "está em preparação há mais de um ano", pela DGPC.
No Mosteiro de Alcobaça, para o qual existe um projecto de hotel de cinco estrelas, com 90 quartos, a instalar no Claustro do Rachadouro, vão acontecendo jantares de empresas no refeitório dos monges e as edições anuais da feira de doces conventuais em espaços não sacralizados do monumento, entre outras iniciativas. Mas as datas mais simbólicas acontecem com o Cistermúsica, na Igreja. Depois de alguns espectáculos rejeitados pelo Patriarcado de Lisboa, com o argumento de não se enquadrarem no espírito do lugar, a organização do festival adaptou-se. "Nos últimos anos, a nível da nave central do Mosteiro e também de outras igrejas do concelho onde fazemos concertos, sabemos que temos que desenhar a programação para estes locais de culto em torno da música sacra e sem cobrança de bilheteira", explica Rui Morais, presidente da Banda de Alcobaça Academia de Música, que organiza o Cistermúsica.
As regras são claras, os custos também. E havendo autorização oficial do Estado, cabe a cada um decidir se quer ou não jantar com mortos por companhia, e à luz de velas, seja no Panteão Nacional ou no Mosteiro da Batalha.
cedência para eventos, sejam festivais de música, como o Entremuralhas, ou encontros de
empresas, jornadas científicas, espectáculos de dança e teatro, actos protocolares e feiras
medievais, que de tempos a tempos ali acontecem. Ou mesmo festas privadas, como na passagem de 2012 para 2013. O réveillon organizado por um grupo de amigos nos Paços Reais do Castelo de Leiria. À época, o vereador Gonçalo Lopes explicou que o Município
recebeu 1.750 euros . Hoje entende que "não se justifica" repetir a experiência. Pelo palácio do Castelo, com capacidade para 150 lugares sentados, a autarquia cobra 240 a 425 euros, por períodos de três ou cinco horas.