Regressou mais tarde do serviço militar em Moçambique porque havia uma peça para estrear. Actor quase toda a vida e por vezes, também, encenador, João Moital diz que voltou a fumar por causa do teatro e do monólogo Os Malefícios do Tabaco, de Anton Tchekhov, trabalho que coloca entre os favoritos e que apresenta desde 1989.
Com 77 anos de idade e cerca de 60 entre o palco e os bastidores, o antigo autarca de Monte Redondo continua a ensaiar e a representar com regularidade. Está actualmente em elencos do Te-Ato, do Teatresco e do Leirena e este mês regressa o festival a que dá nome, em Leiria.
“As pessoas devem ser reconhecidas, ou saber o quão importante elas são para os outros, enquanto são vivas”, argumenta João Lázaro, director artístico do Te-Ato, companhia que, há vários anos, organiza o Sinopse – Festival de Teatro Actor João Moital, com nova edição já em Fevereiro. E conclui: “O João é o exemplo daquilo que eu acho que deve ser a cultura, como dádiva, como entrega total”, ou seja, “ama as outras pessoas e dá o que não pede para ele”.
“É isto que deve ser a nossa função política de teatro: dar às pessoas as coisas. Tomem lá, tornem-se pessoas melhores de cada vez que vêem um espectáculo, [de cada vez] que reflectem”, explica João Lázaro. “Não fazemos a revolução, mas ajudamos a revolucionar as cabeças”.
No ano passado, o Te-Ato estreou, precisamente no Sinopse, a produção Bú ou a Pragmática do Sonho, encenada por João Lázaro, com os actores José Luís Coelho e João Moital a pegarem vida a um texto escrito por Luís Mourão.
“É um personagem que exige toda a qualificação que o João Moital tem como actor”, isto é, “o entendimento do texto, a colocação de voz, o movimento, a contenção”, num “trabalho de técnica, puro”, esclarece João Lázaro. “Nos 46 anos que a companhia tem, este é o nosso melhor espectáculo, o mais perfeito”. E é, também, uma homenagem. “Que seja guardado na memória desta cidade e de quem o vê como “isto é o João Moital”, um actor por excelência, um actor completo”.
Quem o conhece, elogia a generosidade, a disponibilidade e a modéstia. Quando, em 2017, João Moital participou, enquanto aluno, num curso de teatro do Leirena, já tinha circulado por quase todas as cadeiras que a plateia oferece a quem se dedica de verdade, de ponto a actor, de encenador a director, ao longo de décadas em que trabalhou com textos de autores como Molière ou António José da Silva (O Judeu) e colaborou com Miguel Franco e Quiné, além de, mais recentemente, Luís Mourão, João Lázaro, Frédéric da Cruz Pires e Pedro Wilson.
Começou ainda adolescente, no princípio dos anos 60, inserido num grupo de estudantes de Monte Redondo, chamado Agrupamento Artístico Académico, que, segundo o próprio, apresentava “umas coisas medonhas” no salão paroquial, com base em textos das Edições Salesianas “que tinham a particularidade” de incluir “peças só para rapazes e peças só para raparigas”.
É desse tempo, também, a apresentação de Os Três Fósforos, de Teresa Rita, que “só muito mais tarde” veio a saber que “estava proibida pela censura”.
Mais a sério, inicia-se em 1965, em Leiria, no Grupo de Teatro Miguel Leitão. A chama da representação permanece acesa mesmo durante o serviço militar em África – “quando me mandaram embora, estava a ensaiar uma pecinha para fazer lá por cima da praia, fiquei lá mais seis meses por causa disso” – mas depois de regressar a Portugal só volta ao teatro nos anos 80, já ligado aos grupos do Ateneu e do Orfeão de Leiria.
Na década seguinte, começa um período “quase como profissional”, no Te- Ato, de que veio a ser presidente da direcção.
Natural de Monte Redondo, João Moital continua a residir na freguesia, onde chegou a dirigir actores locais para as festas e assegurou um mandato como presidente da junta. “Agora tenho um cadáver na mão, que é o Museu, estou sozinho”, diz ao JORNAL DE LEIRIA.
“É um homem cheio de ideias e que as põe em prática, não manda pôr os outros”, comenta o amigo Carlos Cruz, que conhece João Moital desde os dias de escola e o considera “um impulsionador do Museu”, tal como foi “em muitas coisas nas actividades artísticas ou desportivas” da localidade, por exemplo, a dinamizar o Motor Clube ou as marchas populares, graças a “uma belíssima imaginação”.
“É das pessoas mais generosas que até hoje me foi dado conhecer”, confirma João Lázaro, “extremamente activa”.
Para o director artístico do Leirena, não restam dúvidas que João Moital, “um grande actor”, “muito rigoroso”, seria “alguém a nível nacional do mesmo estatuto de Ruy de Carvalho”, se “tivesse tido escola e oportunidade, na sua juventude”. Frédéric da Cruz Pires elogia “o lado genuíno e humano” que “acaba por influenciar positivamente toda a equipa” e “consegue pôr uma energia e uma luz que contagia”, além de ser “um grande companheiro nas estradas”, que nunca se nega ao trabalho, mesmo aos trabalhos mais pesados. Também como actor “quer entender” e “nunca diz que não”.
“Para ele fazer teatro é um processo de aprendizagem”, assinala Frédéric da Cruz Pires, que vê em João Moital um homem que tanto encaixa na comédia como no teatro de intervenção e que, sempre com seriedade, “procura divertir-se em cena”.
Entre os melhores momentos passados em palco, é o próprio João Moital que coloca algumas peças de João Lázaro, do género vaudeville. Diz que no humor se sente mais confortável. “Aliás, estou a preparar uma comédia agora, vamos ver se a consigo escrever”. Promete crítica política e social. “A arte pode contribuir para uma abertura de consciências”, ou seja, “é uma achega”.
O que mais o atrai no teatro é mesmo a ligação entre o actor e o público. “É uma coisa que a gente sente. Não vê, porque se está preocupado em dizer as falas, mas sente”. E é o que o faz voltar, sem perder a alegria: “O teatro é brincar com a vida”.