“Há freguesias que pagam ao Estado para existir. O que recebem do Fundo de Financiamento das Freguesias [FFF] é menos do que aquilo que pagam de IVA”. O desabafo é de João Pimpão, presidente da Junta das Meirinhas, no concelho de Pombal, e ilustra as dificuldades que as freguesias enfrentam diariamente para fazer com que as suas receitas, provenientes essencialmente do Orçamento do Estado, através do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), e das transferências dos municípios, “dêem para as despesas”.
Para minimizar esses constrangimentos, há juntas que conseguem gerar receitas próprias, seja pela gestão de baldios, que lhes garante rendas provenientes da concessão desses terrenos para a instalação de parques eólicos ou exploração de pedreiras, por exemplo, seja através da rentabilização de investimentos como pavilhões industriais, parques de campismo ou áreas florestais.
Ventos, pedra, madeira e até morangos são, assim, algumas das fontes de receita extra-orçamentos do Estado e municipais, que ajudam várias autarquias da região a obter verbas que lhes permitem concretizar projectos que, de outra forma, não podiam avançar ou teriam de ser adiados, à espera da disponibilidade de apoios.
Renda de pavilhões nos Pousos
Com um orçamento anual na ordem dos cinco milhões de euros, a União de Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes (UFLPBC) tem uma receita própria na ordem dos 300 mil euros. A maior fatia resulta do arrendamento de pavilhões na zona industrial dos Pousos, que rende cerca de 250 mil euros por ano.
A construção foi iniciada nos finais da década de 80 e resultou da entrega à então Junta de Freguesia dos Pousos da designada Mata (ou Charneca) do Bailadouro, após a sua exclusão do regime florestal, com a autarquia a “guardar uma zona entre a fábrica de vidros [actuais instalações do Grupo Nova Gente] e a primeira rua para o executivo construir pavilhões, para arrendamento com fins industriais”.
“Foi uma boa estratégia dos nossos antepassados”, reconhece José Cunha, presidente da UFLPBC, admitindo que esta receita tem sido, ao longo dos anos, determinante para a concretização de obra nos Pousos. O exemplo mais recente é a construção do auditório/centro cultural, obra em execução que custará cerca de quatro milhões de euros. “Avançámos porque havia um fundo de maneio de dois milhões, grande parte conseguido com as rendas dos pavilhões”, diz, admitindo que, no País, haverá “poucas juntas com a capacidade de gerar receita própria” desta UF.
Além dos espaços da zona industrial, a sede da junta dos Pousos dispõe de uma área de escritórios, que está arrendada, o mesmo acontecendo com um espaço no edifício da UF nas Cortes. “Se dependêssemos apenas do Orçamento do Estado, o dinheiro não chegava para pagar ao pessoal”, adverte José Cunha, adiantando que a UFLPBC tem, actualmente, 23 funcionários.
Campismo dá alguma “folga”
No caso da UF de Pataias e Martingança, é o parque de campismo de Paredes de Vitória a dar alguma folga. De acordo com os documentos de prestação de contas de 2023, os mais recentes, nesse ano, o espaço permitiu um encaixe na ordem dos 355 mil euros. Já o mercado de Pataias gerou uma receita de quase 75 mil euros. Subtraindo as despesas, estimadas em cerca de 260 mil euros, a exploração destes dois equipamentos, libertou perto de 170 mil euros.
“Uns anos dá mais, outros menos, em função dos investimentos. Se queremos que o campismo continue a ser procurado, não podemos descurar essa parte”, assinala Valter Ribeiro, presidente da UF. Segundo o autarca, a criação do parque de campismo, em 1985, procurou, sobretudo, “responder à necessidade de acabar com o campismo selvagem” na praia, mas também gerar uma “fonte de receita”, que tem permitido ir mais além nos investimentos.
“As juntas estão sempre muito dependentes da relação com os municípios. As transferências de competências têm reforçado os orçamentos, mas os custos sobretudo, com pessoal, também têm aumentado. Com estas receitas extraordinárias, consegue- se fazer mais alguma coisa”, reconhece Valter Ribeiro.
Com menos de mil habitantes, a freguesia de Serro Ventoso, no concelho de Porto de Mós, tem um orçamento próximo dos 600 mil euros. Metade da receita provém dos contratos de concessão de pedreiras, instaladas em terrenos baldios geridos pelas juntas. Frisando que esses acordos “já vêm de anteriores executivos”, Carlos Cordeiro, que está a cumprir o seu terceiro mandato, reconhece que os mesmo dão “folga” para concretizar investimentos.
“Se não tivéssemos as pedreiras, não teríamos ainda posto médico ou não podíamos avançar com a ‘casa do mineiro’ [espaço multiusos em construção] ou recuperar a ‘Casa da Ti Prazeres’ para local de convívio dos nossos idosos”, exemplifica o autarca de Serro Ventoso, referindo que o dinheiro proveniente das pedreiras tem também sido canalizado para o alargamento de estradas.
É ainda dessa receita que vem verba para dar alguns ‘mimos’ aos fregueses, como a oferta de um garrafão de azeite pelo Natal ou de lembranças em datas comemorativas, como os Dias da Mãe, do Pai, da Mulher e da Criança. “Não são gastos significativos, mas tudo somado, faz crescer o bolo”, diz Carlos Cordeiro, assumindo que este tipo de iniciativas só é possível com o encaixe de receitas provenientes das pedreiras. “Não vejo a extracção de pedra como um problema, desde que seja feita com regras e que o seu cumprimento seja fiscalizado.”
Ventos financiam obra
Na outra ponta do concelho de Porto de Mós, em Alqueidão da Serra, é o vento que tem reforçado o orçamento da junta e, dessa forma, contribuído para a concretização de obra. As verbas do parque eólico serviram, por exemplo, para construir a sede da Junta, um cemitério e uma casa mortuária, recuperar antigas escolas primárias para centros de convívio para idosos e adquirir terrenos para obras de requalificação urbana.
As colectividades da freguesia também beneficiaram das receitas geradas pelo vento. O clube desportivo recebeu ajuda para a colocação de um relvado sintético e a Casa do Povo contou com apoios para a construção de um auditório.
“Em muitas situações, a Junta substituiu-se à câmara na execução de obras que não eram da sua competência, mas talvez tenha sido a forma de as fazer”, assumiu, recentemente, o presidente da junta, em declarações ao JORNAL DE LEIRIA. Na ocasião, Filipe Batista revelou que, no ano passado, o actual executivo renegociou o contrato, assegurando uma receita de cinco milhões de euros ao longo dos próximos 20 anos.
Frisando que “há condições para melhorar a vida de quem cá vive e apoiar as associações”, o autarca, que está a terminar o terceiro e último mandato, adverte, no entanto, que “não é por haver dinheiro que se pode fazer tudo e mais alguma coisa”.
Proprietária de um terreno com “mais de 20 hectares”, a Junta de Almagreira, no concelho de Pombal, está apostada na sua rentabilização através da exploração florestal. Depois de anos “em baldio”, foi feita uma plantação, maioritariamente com eucalipto – “há outras áreas na freguesia com floresta de conservação, com carvalhos, sobreiros e medronheiros”, ressalva Humberto Lopes, presidente da junta -, estando a ser preparada a primeira hasta pública deste mandato para a venda de madeira.
A Junta de Almagreira tem um outro terreno, onde em tempos funcionou “uma lixeira”, que está arrendado a um jovem agricultor, que desenvolveu no local um projecto de produção de morangos por hidroponia, técnica que permite cultivar plantas sem solo.
“Não é pelo dinheiro – são 170 euros por mês -, mas pelo projecto, que permite cuidar do terreno, enquanto não há condições para a criação da área empresarial, prevista no PDM”, adianta o autarca, frisando, no entanto, que, “quando se gere uma casa ao euro, qualquer receita extra é bem-vinda”.
O mesmo entendimento tem o presidente da Junta das Meirinhas, autarquia que tem no arrendamento de um snack-bar e do edifício onde funciona o centro de saúde os únicos rendimentos de propriedade, com uma receita mensal de 250 euros por cada espaço.
“Recebemos [no ano passado] do FFF pouco mais de 40 mil e pagamos de IVA 70 mil euros, que não são dedutíveis”, lamenta João Pimpão, que, no último congresso da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) apresentou uma moção co
Anafre reclama revisão da Lei das Finanças Locais
A Associação Nacional de Freguesias (Anafre) reclama uma revisão da Lei das Finanças Locais, a concretizar ainda em 2025. Segundo Jorge Veloso, presidente do Conselho Directivo da Anafre, uma das prioridades dessa alteração prende-se com o aumento da percentagem dos impostos recolhidos pelo Estado transferida para as freguesias.
“Desde 2019 que reclamamos essa alteração, mas o valor mantêm-se nos 2,5%. É preciso mexer nesta percentagem, para que, em quatro ou cinco anos, o valor seja de 5%, duplicando a receita”, afirma o dirigente, que preside também à União de Freguesias de São Martinho do Bispo e Ribeira de Frades, no distrito de Coimbra, frisando que esta exigência “não é um capricho, mas uma necessidade das freguesias.
“Os encargos com o pessoal, por exemplo, têm subido, e bem, mas as freguesias vêem-se prejudicadas porque as receitas não sobem na mesma proporção”, alega Jorge Veloso, sublinhando que cerca de 40% das verbas provenientes do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF) “vai para pagar salários”.
Há depois outras despesas correntes, pelo que, “sobra pouco para investimento”. “Quem tem baldios, ainda consegue ir buscar o dinheiro de rendas. Quem não tem, precisa de fazer uma gestão muito apertada para chegar ao fim do mandato sem dívidas”, refere.
A par da mudança no valor dos impostos a transferir para as juntas, a Anafre defende uma alteração ao regime de IVA aplicado a estas autarquias. No último congresso da associação, realizado no ano passado, foi aprovada uma moção, apresentada pelo presidente da Junta das Meirinhas, em Pombal, a defender que as freguesias “não podem receber menos do FFF do que o valor que pagam em IVA”.
Para tal, João Pimpão apontou três hipóteses: isenção de IVA, recuperação da totalidade do IVA suportado ou a criação de um mecanismo legal de ressarcimento de IVA às freguesias. “O Estado tem de assumir as suas responsabilidades constitucionais e atribuir às freguesias os meios adequados à prossecução dos seus desideratos constitucionais. Urge constituir um novo princípio: não se pode receber menos de FFF do que se paga de IVA”, defendeu João Pimpão.