Vieira de Leiria, zona industrial, armazém 19. Vera Braga chega pelas sete da tarde e de imediato todos os olhares a procuram. É ela que comanda o exército de voluntários reunidos em tempo recorde, pelo Facebook, para acudir às vítimas do incêndio de 15 de Outubro.
Há sorrisos e abraços no calor das conversas, pequenas alegrias que significam outras tantas vitórias. Mais um caso resolvido, mais uma pessoa ajudada.
Ao armazém 19 estão a chegar donativos de todo o País – alimentos, roupas, calçado, produtos de higiene, electrodomésticos, utensílios de cozinha, cobertores, lençóis, cadeiras de bebé, fraldas, brinquedos, ração para animais, tintas, cimento, ferramentas, enfim, tudo o que uma vida precisa quando é preciso recomeçar do zero.
Há 29 famílias a quem é necessário acudir, só naquela freguesia do concelho da Marinha Grande. Muitas mais Portugal adentro. E não há tempo a perder.
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O armazém 19 funciona todos os dias úteis das 18 às 20 horas, também aos sábados e domingos entre as 9 e as 20. Basta seguir as placas com a inscrição "Voluntários" nos acessos da zona industrial de Vieira de Leiria. Tanto acolhe gente com vontade de trabalhar como recebe bens para a população assombrada pelo incêndio.
Materiais de construção é o que faz falta agora. Vera Braga, 45 anos, motorista de ligeiros na Transema, anda nisto há quatro meses. Tornou-se voluntária em Pedrógão Grande e era em Pedrógão Grande que estava, a montar uma cozinha, numa aldeia em convalescença, quando o fogo decidiu meter-se com os seus, na Vieira: família, amigos, conhecidos, lugares, memórias, todos ameaçados pelas mesmas chamas que destruíram o Pinhal de Leiria – e que agora fazem do trajecto diário de casa para o trabalho, entre a Vieira e a Marinha Grande, uma viagem de cinzas, perda e angústia.
Na noite de 15 de Outubro, "os carros ganharam asas". Já na Vieira, Vera Braga fechou-se com os familiares numa cave, lembrou-se do que aprendeu em Pedrógão Grande, preparou toalhas encharcadas em água.
Quando a habitação foi evacuada, deixou os pais e os sobrinhos. Eles seguiram para a base de Monte Real, ela e o filho saíram à rua. "Virei as costas aos meus irmãos para levar uma mãe aos filhos". Não soube nada durante horas. Para se manter no terreno, a ajudar os bombeiros e quem mais precisava.
É o armazém 19, uma iniciativa de cidadãos, na internet, que está a liderar a resposta à população em Vieira de Leiria, com o apoio da junta de freguesia e da Câmara Municipal da Marinha Grande. Com registo de tudo: pessoas afectadas pelo incêndio, carências em cada habitação, entradas e saídas de donativos.
São uma equipa de 35 pessoas, às vezes muitas mais. Alguns são psicólogos, técnicos de autarquias, assistentes sociais. Estão ali e no Facebook, através do grupo Voluntários para Pedrógão Grande, Vieira de Leiria e Marinha Grande. Não amontoam caixotes. O que sobra na Vieira, encontra utilidade noutras regiões. Por exemplo, Seia. O objectivo é não deixar ninguém para trás.
"A população está unida por uma causa", acredita Vera Braga. O armazém 19 é emprestado, a empresa do lado cede a electricidade, os restaurantes da zona fornecem as refeições, gratuitas, aos voluntários. "Estamos peritos em pedinchar", graceja. Mais uma vez, a experiência de Pedrógão Grande revela-se útil.
"Aprendemos que temos de ser justos. Existem os com muita vergonha e os sem vergonha nenhuma. Temos que tratar todos com igualdade. E não nos podemos esquecer de continuar a ajudar as famílias. Isso é o mais importante".