De binóculos ao peito e sacho e foice na mão, José Pereira e Virgílio Vieira, percorrem quilómetros a defender a floresta e a dissuadir incendiários no Arrabal e Soutocico, em Leiria.
Às 8:50 entram numa pickup e seguem para o Curral das Cabras, onde vão caminhar pelo Vale Maninho, um dos percursos definidos para o seu grupo.
A caminho, deparam-se com um amontoado de sobrantes de madeira. Um ‘barril de pólvora’ caso haja um incêndio. O procedimento está bem oleado: fotografia, com o registo das coordenadas para reportar ao responsável da Unidade Local de Protecção Civil (ULPC) e serem accionados os mecanismos legais para identificação do autor da infracção.
A ULPC do Arrabal foi criada em 2018. No ano passado contou com 100 voluntários que, durante cerca de três meses, patrulharam as matas da freguesia. Aqui não se combatem incêndios. O desígnio é proteger e alertar.
O vereador da Protecção Civil, Luís Lopes, defende que o papel destas brigadas é sinalizar e dissuadir eventuais incendiários com a sua presença. “O combate ao incêndio tem de ser da responsabilidade dos bombeiros. Estes voluntários são uma preciosa ajuda a indicar o local da ignição, os caminhos existentes e a dar o alerta. São um excelente parceiro dos bombeiros.”
No concelho de Leiria, 18 freguesias já têm ULPC. A freguesia do Arrabal é a que tem mais experiência e desde que estas brigadas têm estado no terreno o número de ignições quase não existe, constata a presidente da Junta do Arrabal, Helena Brites, ao salientar a importância de serem pessoas da freguesia a falar com os vizinhos que não têm os terrenos limpos, por exemplo.
“Acreditamos que esta é a melhor forma de promover a sensibilização, proteger a freguesia e afastar os incendiários”, reforça Helena Brites. Sérgio Ferreira, coordenador da ULPC do Arrabal, acrescenta que o objectivo é ter a freguesia “armada até aos dentes”.
Todos os dias há várias equipas a percorrerem os vários quilómetros de floresta da freguesia, divididos por uma escala, onde figuram os percursos atribuídos a cada grupo.
“Temos sempre gente na floresta, de manhã à noite, e é possível identificar objectos que possam espoletar incêndios”, salienta. Mas não são só monos que os voluntários têm encontrado na sua vigilância.
O trabalho que desenvolvem diariamente tem permitido identificar poços abandonados e sem qualquer protecção. “É um risco para pessoas e para animais”, alerta Virgílio Vieira, natural do Soutocico, que refere que “o objectivo principal não é procurar poços ou frigoríficos velhos”. “É dissuadir pela presença.”
À medida que percorrem a zona de mato, Virgílio constata que a “densidade da floresta é assustadora”. “Se houver um fogo aqui, em dia de vento, arde tudo. Os bombeiros não têm como entrar nesta zona”, sublinha, enquanto caminha num reduzido carreiro, onde não passa uma viatura dos bombeiros.
Por isso, estão designados determinados pontos estratégicos de posicionamento dos bombeiros para protegerem as habitações e impedirem um eventual fogo de entrar na aldeia.
Patrulha em carro próprio
José Pereira, que já foi bombeiro, recorda o susto que apanharam quando foram surpreendidos por um pastor alemão, que lhes apareceu de repente. “Felizmente, ele virou as costas e foi embora, mas podia ser um cão mau e atacar-nos. É por isso que também trazemos estas ferramentas, não é só para ajudar a cortar a vegetação que aparece no caminho”, adianta.
Já se depararam com alguém a fazer uma queimada junto à mata, “sem consciência de que poderia provocar um incêndio” e sabem que os percursos por onde passam está povoado por raposas e javalis. “Não me importo de utilizar o meu carro. É uma forma altruísta de fazer algo pela sociedade. Trabalhei 20 anos na ambulância do Arrabal e fui bombeiro”, relata José Pereira.
As ULPC surgiram no concelho de Leiria com uma proposta da Câmara de Leiria. “A freguesia do Arrabal sempre foi muito desperta para as questões da protecção civil. Avançámos com o projecto Aldeia Segura, Pessoas Seguras, que viria a integrar-se na ULPC. Não são só os incêndios rurais que nos preocupam, mas também criar uma cultura de protecção civil, a começar nas crianças e jovens”, insiste Helena Brites.